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Death's Echo, de W.H. Auden
“(...) “O life’s too short for friends who share,”
Travellers think in their hearts,
“The city’s common bed, the air,
The mountain bivouac and the bathing beach,
Where incidents draw every day from each
Memorable gesture and witty speech.”
So travellers think in their hearts,
Till malice or circumstance parts
Them from their constant humour:
And slyly Death’s coercive rumour
In that moment starts:
A friend is the old old tale of Narcissus,
Not to be born is the best for man;
An active partner in something disgraceful,
Change your partner, dance while you can.
“O stretch your hands across the sea,”
The impassioned lover cries,
“Stretch them towards your harm and me.
Our grass is green, and sensual our brief bed,
The stream sings at its foot, and at its head
The mild and vegetarian beasts are fed.”
So the impassioned lover cries
Till the storm of pleasure dies:
From the bedpost and the rocks
Death’s enticing echo mocks,
And his voice replies:
The greater the love, the more false to its object,
Not to be born is the best for man;
After the kiss comes the impulse to throttle,
Break the embraces, dance while you can.
“I see the guilty world forgiven,”
Dreamer and drunkard sing,
“The ladders let down out of heaven,
The laurel springing from the martyr’s blood,
The children skipping where the weeper stood,
The lovers natural and the beasts all good.”
So dreamer and drunkard sing
Till day their sobriety bring:
Parrotwise with Death’s reply
From whelping fear and nesting lie,
Woods and their echoes ring:
The desires of the heart are as crooked as corkscrews,
Not to be born is the best for man;
The second-best is a formal order,
The dance’s pattern; dance while you can.
Dance, dance, for the figure is easy,
The tune is catching and will not stop;
Dance till the stars come down from the rafters;
Dance, dance, dance till you drop."
Um poema que descobri graças ao filme Império da Luz, de Sam Mendes, com a grande Olivia Colman. Um filme sobre a solidão. Sobre a solidão de uma mulher. Sobre a solidão de uma mulher que já não é muito nova. Sim, é também um filme sobre mim. Sobre as pequenas estratégias que encontramos para lidar com isto. Sobre a importância de termos quem nos veja como realmente somos. E sobre dançar, enquanto podemos, mesmo que seja em casa, sem sapatos, sem par.
Fui ver Um Corpo que Dança - Ballet Gulbenkian 1965-2005, o filme de Marco Martins, e saí de lá feliz por ter assistido ao documentário e triste por tudo o que ele me pôs a pensar. Mais do que uma história do Ballet Gulbenkian, conta-se um bocadinho da história de Portugal, com maravilhosa recolha de imagens de arquivo e muitas entrevistas (em off). Porque a história do Ballet Gulbenkian é inseparável da história da Fundação, é inseparável da ditadura que silenciou os portugueses durante 48 anos e da guerra que matava jovens no Ultramar e da pobreza e do analfabetismo dominantes, e é também inseparável da Revolução de Abril, da vontade de acabar com as elites e a "cultura burguesa", da história de um país que se abriu ao mundo e se modernizou, e é, por fim, inseparável das histórias e das ideias e dos corpos de todos aqueles que passaram pela companhia. A história do Ballet Gulbenkian é feita de uma tensão permanente entre o poder (que é sempre restritivo) e o corpo (que é, na sua essência, livre). E isso é visível também no modo abrupto como a companhia terminou.
O documentário, feito "a convite" (foi assim que vi escrito) da Fundação Calouste Gulbenkian, tem uma mensagem, isso é claro em todos os detalhes (incluindo a banda sonora e a montagem, ambas bastante marcadas no filme), mas peca talvez, em alguns momentos, pelo excesso de informação: num só plano podemos ter imagens da época, uma música em fundo que não tem nada ver, alguém a falar em off e legendas informativas para ler.
Ainda assim, é tudo muito bonito. E fez-me pensar. E trouxe-me tantas memórias.
Viajei. Mas o importante não foi a viagem em si nem os passeios que demos por Bruxelas. O importante foi, primeiro, poder partilhar esta experiência com o Pedro e passarmos tempo os dois e voltarmos a andar de avião e tentar explicar-lhe que é bom sair de casa e descobrir o mundo (e também irritar-me um bocadinho com ele, que está naquela fase aborrescente mas, pronto, faz parte). E, depois, visitar a minha amiga Aline e a sua família. Já não nos víamos há quase um ano e foi bom demais voltarmos a partilhar as nossas alegrias e as nossas angústias e comer os seus cozinhados e desfrutar da sua alegria e da sua energia. E depois da viagem ainda deu para ir ao Alentejo e para passear por Lisboa, para ir ao MAAT - Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia ver as "Interferências" e a fantástica instalação do Vhils (por favor, não percam), para ver as maravilhosas "Bacantes" da Marlene Monteiro Freitas, para dar um passeio na praia, para ir dançar no Incógnito (as saudades que eu tinha disto), para fazer isto tudo ao mesmo tempo que estava com amigos bons e conversávamos e ríamos e chorávamos juntos. Porque o mais importante são sempre as pessoas que estão connosco neste caminho e os abraços todos que damos.
Foram 10 dias bons, depois de muitos dias difíceis, ou melhor, no meio de muitos dias difíceis. Não tem sido fácil, por vários motivos, muito diversos, muito meus. Mas, como diz, a canção:
"Tem vez que as coisas pesam mais
Do que a gente acha que pode aguentar
Nessa hora fique firme
Pois tudo isso logo vai passar
Você vai rir, sem perceber
Felicidade é só questão de ser
Quando chover, deixar molhar
Pra receber o sol quando voltar"
Dançar. Amigos. Conversas. Dançar. Rir. Cumplicidades. Dançar. Não pensar. Só ser.
The Cure, Close to Me
Nas últimas duas semanas, por uma daquelas coincidências de agenda que não conseguimos controlar, fui atropelada por um camião de trabalho que me obrigou a dormir algumas noites fora de casa, noutras a chegar à cama muito tarde, a fazer muitos quilómetros para baixo e para cima, a deixar um pouco os miúdos por sua conta e a fechar os olhos ao caos que se instalava aqui em casa. Nada disto foi fácil, por diferentes motivos. Mas, apesar do cansaço, das dores nas costas e nos joelhos, da ansiedade, da tensão permanente nos ombros, do sono (muito sono) e da culpa (a culpa, sempre), há também aqui uma grande alegria. Porque nestas duas semanas tive oportunidade de fazer algumas das coisas de que mais gosto. Por um lado, a pretexto da campanha eleitoral, pude sair da redacção e andar por aí, descobrindo o país e falando com pessoas. Por outro lado, tive um convite maravilhoso da Patrícia Portela, diretora do Teatro Viriato, em Viseu, para moderar algumas conversas com artistas no NANT - Encontro de Dança Contemporânea. O único problema foi calhar acontecer tudo ao mesmo tempo.
Esta noite dormi pouco mais de três horas e estou podre como não me sentia há muito tempo, jogada no sofá praticamente sem me mexer. Mas, apesar de tudo, é bom quando, de vez em quando, o trabalho não é só um trabalho, é também algo que nos faz sentirmos vivos, que nos desafia e nos leva a arriscar por terrenos desconhecidos, quando nos permite ultrapassar medos (e se me espalho ao comprido e só digo parvoíces em frente daquelas pessoas todas?), quando chegamos ao fim e, mesmo quando temos capacidade de auto-crítica para percebemos onde errámos e onde poderíamos ter feito melhor, sentimos que o balanço até é positivo (e, que alívio, afinal, não nos espalhámos ao comprido). E no meio disto, reencontrei algumas pessoas de que gosto muito e conheci pessoas novas, muito fixes, que quero manter por perto.
Na foto, na conversa com a fantástica Piny. Acho que aquele sorriso diz tudo. Não fui feita para o palco, isso é certo, mas talvez possa aprender a gostar disto em doses moderadas.
Ver Anne Teresa de Keersmaeker a dançar com 61 anos é uma pequena maravilha. Saio dos seus espectáculos sempre com uma alegria profunda e uma crença enorme no mundo. Contra todos os puristas e perfeccionistas, que acham que a dança deve ser avaliada pelo seu virtuosismo, cheia de movimentos muito bem executados e sincronizados, os últimos espectáculos de Anne Teresa parecem ter sempre um certo grau de imperfeição. E de humanidade.
Ontem fui à Gulbenkian ver e ouvir as suites de violoncelo de Bach, dançadas pelos bailarinos da companhia Rosas e interpretadas pelo músico Jean-Guihen Queyras (tão boa a música, tão bom o músico). Uma hora e meia de puro deleite. Esqueci-me de tudo e sorri o tempo todo por baixo da máscara.
Dançar é uma das coisas que mais gosto de fazer. Dançar livremente, sem coreografias ensaiadas, sem mãos que me agarrem, sem passos a cumprir. Simplesmente dançar. Dançar na cozinha é bom, mas dançar com amigos é ainda melhor. Ainda não será hoje que nos juntamos numa pista mas, só para me animar, diverti-me a imaginar uma playlist com algumas das músicas que gosto de dançar. Não todas, isso seria impossível. São 47 músicas, uma por cada ano de vida, ficaram muitas de fora (sim, eu sei, faltam essas todas em que vocês estão agora a pensar) e mesmo assim são quase três horas - será que ainda aguento três horas a dançar? Será que ainda aguentamos? Vamos descobrir.
Ora vejam só esta maravilha: Please Don't Talk About Me When I'm Gone, tema de 1930 que talvez conheçam nas vozes de Ella Fitzgerald ou Dean Martin, aqui interpretado pela 24 Robbers Swing Band e dançado por vários lindy hopers em confinamento por esse Portugal fora. Pura alegria. Não há depressão que resista a isto, pois não?
A Ana Isabel, que eu não conheço mas que costuma ler a Gata, mandou-me este vídeo porque sabe que eu gosto de dançar. O que ela não sabe é que eu acho isto mesmo fixe e ando há uns três anos a ganhar coragem para me inscrever nas aulas de lindy hop mas a falta de tempo e a falta de jeito para cumprir coreografias e dançar em pares tem sido mais forte. Não posso prometer que quando isto tudo terminar vou aprender lindy hop porque não gosto de prometer coisas que provavelmente não vou cumprir, mas vou pedir à Rute, minha amiga lindy hoper, para não me deixar dizer que não da próxima vez que me desafiar para um bailarico.
Boa Páscoa.
(Spoiler alert: se não viram o Jojo Rabbit não vejam este post. E vão ver o filme que vale muito a pena)
O que vais fazer quando isto terminar e puderes, finalmente, sair de casa?
Tanta coisa. Mas seguramente isto: dançar.