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“Eu acho que as coisas estão a mudar, mas depois dou três passos fora da minha bolha e vejo que ainda está tudo longe do ideal, não sei se a sociedade efectivamente está a mudar.”
As palavras do Mário são certeiras. Porque escolhemos bem as nossas relações, pertencemos a um grupo restrito de pessoas que acredita que a mudança está a acontecer. Que há cada vez menos machismo, menos misoginia, menos homofobia, menos racismo, menos xenofobia, menos discriminação e menos preconceitos. Mas iludimo-nos. Basta uma viagem a essa lixeira que são as caixas de comentários dos jornais online para perceber que estamos muito longe dessa mudança. Aconteceu-me recentemente, primeiro com a entrevista ao Mário, que foi insultado de tudo e mais alguma coisa só por pintar as unhas e fazer tricot, e depois com um outro artigo sobre um novo projecto feminista, cujas fundadoras foram apelidadas de radicais, acusadas de não terem homem e mandadas para casa lavar a loiça, entre outros mimos. Como é possível?
Tenho muita dificuldade em lidar com esta realidade. Quero ficar na minha bolha. No meu cantinho de tolerância e empatia. Mas, por outro lado, não consigo ficar completamente fora do mundo, nem que seja porque (oh, que pretensão a minha) sinto que temos todos de fazer alguma coisa para impulsionar a mudança, ainda que pequena. É uma questão de cidadania. Não podemos passearmo-nos por aqui como se tudo isto, só porque não nos afecta directamente, não tivesse nada a ver connosco.
Na falta de melhor, continuo a falar e a escrever. São só palavras. Uma arma fraquita, mas é o que temos.
Um post para correr atrás do prejuízo. Porque não quero esquecer algumas das coisas boas que têm acontecido.
Dois filmes
Aftersun é uma pequena maravilha. Trata-se da primeira longa-metragem de Charlotte Wells, que, aparentemente, se inspira em parte na sua infância. A ação passa-se talvez nos finais dos anos 90 ou início dos 2000 (estou a calcular, pela banda sonora, que inclui a Macarena e os Blur). Um pai (Paul Mescal, que conhecemos de Normal People), recentemente divorciado e a braços com vários problemas materiais e emocionais, leva a filha de onze anos (Frankie Corio) para umas férias de verão num resort turístico na Turquia. As conversas entre eles são deliciosas, os silêncios ainda mais. Não sei se foi por ter essa experiência, de passar tanto tempo com os meus filhos, sem mais adultos por perto, mas emocionei-me muito porque sei bem o tanto que ali se passa, naqueles silêncios, em que pai e filha partilham cumplicidades e cuidam um do outro, com pequenos gestos, pequenos nadas que são tudo.
No dia em que fui ao cinema ver Ursos não há, o realizador iraniano Jafar Panahi encontrava-se preso desde julho do ano pasado. Foi libertado dias depois, a 4 de fevereiro. Tal como tem vindo a fazer, Panahi continua a trabalhar a autoficção, apresentando-se a si mesmo no ecrã e às dificuldades que enfrenta como realizador num país onde não existe liberdade de expressão e que, além disso, se rege por tradições ancestrais, patriarcais e castradoras. A vigilância não é só policial, é também exercida pela comunidade. Estas circunstâncias levam-no a interrogar o seu trabalho, a importância das imagens e o papel do cinema. Ursos não há, mas as ameaças e o medo podem ser reais.
Dois livros
Com Nora Webster, de Colm Tóibin, conheci uma mulher que fica viúva e de repente se vê sozinha a braços com a vida e os filhos. A ação passa-se em Enniscorthy, na Irlanda, no final da década de 60. Mas podia ser aqui e agora (houve ali momentos - por exemplo quando, cheia de sentimentos de culpa, ela tem de deixar os filhos pequenos desacompanhados durante algumas horas para ir trabalhar - em que podia perfeitamente ser eu). Nora procura o seu próprio caminho, sem medos. Isso implica tomar decisões que vão parecer aberrantes vistas de fora. Tem de libertar-se das suas obrigações perante a comunidade, do peso da religião, do enorme fardo das aparências. Às vezes, temos forças que nem sabíamos que tínhamos.
Shuggie Bain, de Douglas Stuart, chegou-me através da Sónia, que me assegurou que tinha sido um dos melhores livros que já tinha lido. É, de facto, muito bom. Um mergulho de cabeça nas dificuldades das classes mais baixas de Glasgow, na Escócia, nos anos 80. A miséria contada a partir da história de um miúdo, Shuggie Bain, que cresce a assistir à luta da mãe, Agnes, contra as injustiças do mundo, contra os homens que a exploram e contra o vício do álcool. E que ao mesmo tempo vive também a sua própria luta, a tentar perceber porque é que não é como os outros rapazes. Da alegria de comer um chocolate à tristeza de não ter mais o que comer. Maravilhosamente escrito, com pormenores que nos vão fazer chorar mas também sorrir, que às vezes me fizeram sentir uma enorme revolta. O livro foi o vencedor do Booker Prize em 2020 (e acho que tem tudo para vir a ser um filme).
Dois espectáculos
Onde é que eu ia?, monólogo de Nuno Artur Silva (na verdade, não é, está lá o António Jorge Gonçalves, a dialogar com desenhos, mas, vá), espécie de stand-up comedy mas num tom e num ritmo muito próprios, humor umas vezes mais aguçado, noutras mais light, umas vezes mais confessional, noutras mais desbragado. Gosto muito de ouvir pessoas inteligentes, mais ainda se forem capazes de rir de si mesmas.
Massa Mãe, espectáculo da minhota Sara Inês Gigante, com a amiga também minhota Carolina Vieira, uma viagem pelas suas memórias de criança, passando pelas brincadeiras com a cadela Pancas, as festas da Senhora da Agonia, o ouro pendurado ao pescoço, os lenços dos namorados, o fato da avó Cândida e os conselhos da tia Maria. E as perguntas todas que surgem quando olhamos para as tradições. A vida é como o ciclo do pão de milho - semea-se, cuida-se, apanha-se, desfolha-se, mói-se, amassa-se, coze-se, come-se. Mas, tal como com a "massa mãe", deixamos sempre algo para os que vêm a seguir.
Vendo bem, são duas criações em modo "a minha vida dava um espectáculo". Cada um à sua maneira. E também por isso - porque sou esta pessoa que se pensa e se narra e se questiona e se memorializa por aqui - me agradaram tanto e me levantaram tantas questões.
Duas reportagens
"Estou a lutar pela vida e agora vou falar de sexo?" Após o diagnóstico de cancro, os doentes experienciam geralmente uma diminuição da líbido, o que se agrava com os sintomas da doença e, depois, os efeitos dos tratamentos. Na maioria das vezes, vivem com este problema em silêncio, têm vergonha de falar do assunto com os médicos pois temem que as outras pessoas achem que não é adequado pensar em sexo quando se está em risco de morrer.
Na Mouraria, uma cama num quarto partilhado por seis pessoas pode custar 200 euros. Andei pelas ruas dos bairro, acompanhada pela Farhana, a tentar perceber as dificuldades dos imigrantes que ali moram. “Se as pessoas vivem em condições tão miseráveis é porque não têm alternativas”, disse-me o Farid. Se a habitação é um problema tão grande na nossa sociedade actual, imaginem para aqueles que acabaram de chegar a um país novo, que não têm rede de apoio nem falam a língua, que podem até não ter um trabalho nem documentação legal.
Fotografia de Rodrigo Cabrita
Há pessoas que sonham com o estrelato. Em aparecer à frente das câmaras. Dar a cara. Já eu sou feliz nos bastidores. Neste final de ano, tive o privilégio de trabalhar com a Anabela, ajudando-a a fazer pesquisa e a preparar as entrevistas do Calendário do Advento. Uma dupla felicidade. Primeiro, por tudo o que aprendi sobre todos os entrevistados. Depois, por, a cada programa, perceber de que forma ela usava (ou não usava) a informação que lhe dava e como conduzia as conversas, escapando ao óbvio e procurando novos caminhos.
Aqui, num dia em que fui espreitar as gravações, com o Sandro e o Jorge Feliciano, os entrevistados do último programa, que vai para o ar esta noite, véspera de natal.
Se não viram, vão sempre a tempo de ver o Calendário do Advento, da Anabela Mota Ribeiro, na RTP Play.
As fotografias são da Estelle Valente.
Para me lembrar porque é que gosto tanto de fazer o que faço.
Há um ano começou a CNN Portugal. Tem um sido um ano de aprendizagens e acertos, para todos. Para mim também. Há dias em que questiono se ali é meu lugar, e depois há dias assim, como este, em que me meti no carro com o Rodrigo Cabrita e, desafiando a chuva, fomos à procura de histórias para contar. Levámos com muitos nãos mas também encontrámos pessoas muito bonitas. No fim de contas, é isto que vale a pena.
Ora vejam:
Coisas bonitas a que tenho o privilégio de estar ligada. Já está disponível o terceiro número da revista sonora da Culturgest, "Projeto Invisível", e, mais uma vez, fui falar com pessoas "For Real". Desta vez, o desafio foi maior, porque o tema era mais exigente - impérios e imperialismo, do colonialismo aos dias de hoje. Tive a sorte enorme de encontrar a Patrícia, o Carlos e a Paula com quem tive conversas muito bonitas e enriquecedoras.
Se quiserem ouvir, vão AQUI.
Envelhecer é uma grande porcaria mas não há como evitá-lo, não é? Por isso, não adianta fechar os olhos e fingir que não está a acontecer (e deus sabe como eu gosto desta técnica de sobrevivência). Decidi enfrentar a realidade e fazer um artigo sobre a menopausa. Parti para este trabalho sem saber nada, só com esta ideia de que acho que é isto que me está a acontecer, como será com as outras mulheres? Foi um processo muito bom, pelas conversas que tive. Tive muita sorte com as minhas entrevistadas. E, depois, tem sido muito bom receber todas as reacções e mensagens de mulheres que me agradecem por ter falado neste tema, que me contam como se identificaram com as histórias ou que partilham comigo as suas histórias diferentes. Ah, então estás "nessa" fase? Sim, estou, chama-se perimenopausa (nem sabia que esta palavra existia) e é uma grande confusão, uns dias sinto-me um caco, como se já tivesse 90 anos, noutros estou imparável e disposta a tudo para combater a apatia.
O texto não tem pretensões de dar explicações científicas ou apresentar respostas milagrosas. Mas tem uma mensagem que me parece muito importante, para mim e para toda a gente. Se quiserem ler, está aqui:
Voltei às terras queimadas pelos incêndios mas, desta vez, à procura de histórias de quem vive e persiste na Serra da Estrela. Adorei conhecer a Ana e o André e prometi voltar para ver as terras quando estiverem verdejantes. Emocionei-me (acontece-me tanto) com o desembaraço e a franqueza da Alcina, que no final nos deu uns queijos embrulhados em papel vegetal e nos pediu desculpa por já ter poucos. Preocupações com o futuro todos temos, mas esta gente olha para a frente com determinação. "Ainda nos há de faltar primeiro a boca do que sopa", diz a Alcina. Pessoas bonitas. Encontrá-las, ouvi-las e contá-las. É o melhor deste trabalho.
Leiam AQUI e vejam também as fotos do Miguel Mateus.
Fui à procura de histórias por onde o fogo passou esta semana. Foram dois dias como antigamente, sem pressas nem pressões. O resultado está AQUI e AQUI. Os incêndios são uma tragédia, claro. Mas foi um prazer poder voltar a ser repórter. São as contradições do jornalismo.
As fotos (estas e as dos artigos) são do Miguel Mateus.
Este post é só para me lembrar que há dias em que isto ainda vai valendo a pena. Isto do jornalismo. Isto de acordar de manhã e ir trabalhar durante oito horas, a maior parte das quais a fazer coisas que claramente dispensava. Isto de viver por turnos e trabalhar aos fins-de-semana e ganhar uma miséria e ter muitas dúvidas que o esforço compense. Mas há dias em que nos cruzamos com pessoas bonitas e temos conversas interessantes e vai que até o resultado nos deixa um bocadinho-muito satisfeitos. Há dias assim. E esses dias devem ser assinalados.
Falei com a poeta Alice Neto de Sousa, por skype, num sábado de chuva algures em fevereiro. Ela estava de pijama, bonita e sincera, tal como é. Depois aconteceram coisas na minha vida e no mundo e a conversa ficou guardada no gravador até haver tempo para lhe dar a devida atenção. AQUI está.
E também falei com o Pedro Penim, que eu conheço seguramente há mais de vinte anos e agora é director do Teatro Nacional D. Maria II. É uma alegria vê-lo ali, tão entusiasmado e cheio de ideias, tal e qual como também vi o Tiago Rodrigues. Sou uma sortuda, eu sei. A conversa está AQUI.
É muito simples, diz o Miguel Esteves Cardoso: "Há dois países em causa: a Rússia e a Ucrânia. A Rússia agrediu a Ucrânia. A Rússia é maior e mais forte do que a Ucrânia. E a Ucrânia está sozinha."
Podemos discutir tudo, os motivos ou a falta deles, a história, o papel dos EUA e da NATO, podemos lembrar outros conflitos, outras batalhas, outras injustiças, podemos chamar a atenção para a propaganda e a retórica que para aí anda em torno de heróis e da coragem de um povo, podemos sempre manter o espírito crítico e estar alertas para a desinformação, mas daí a defender o Putin e a invasão já me parece que vai um passo de gigante. Os ímpetos imperialistas do presidente russo são bastante assustadores.
Não há guerras boas. Nem que seja porque em todas as guerras as principais vítimas são inocentes. Num momento como este, a empatia é talvez um dos sentimentos mais importantes. Lembrem-se: podíamos ser nós. Podíamos ser nós em Donbass, onde a guerra já começou em 2014. Podíamos ser nós em Kiev ou no resto da Ucrânia, a ter medo, a morrer, a lutar, a fugir. Podíamos ser nós na Rússia, a sentir vergonha e impotência perante o poder. Podíamos ser nós, jovens de 20 anos, em qualquer dos lados da fronteira, obrigados a combater. Podíamos ser nós na Polónia, a receber meio milhão de refugiados numa só semana.
Foto de Vadim Ghirda (AP)
A propósito:
Lembrei-de da série Why We Hate? - porque odiamos?
Não sei muito sobre a história da Ucrânia. Aprendi algumas coisas ao ler a biografia de Clarice Lispector, de Benjamin Moser. Toda a primeira parte, sobre a família, ajuda a perceber o que aconteceu ali no início do século XX. Aqui estão alguns livros sobre a Ucrânia (e mais aqui) que podem ajudar-nos a contextualizar sem serem demasiado complexos.Também podemos ler os livros da jornalista bielorrussa Svetlana Alexievich, alguns estão traduzidos em português, que nunca é tempo perdido.
O Guardian também fez uma lista com 20 filmes que podem ajudar a entender o que se passa na Ucrânia. Infelizmente, não são fáceis de encontrar. Estive a rever o documentário Winter on Fire (na Netflix) sobre a ocupação e os conflitos na Praça Maidan, em 2013. Talvez fosse uma boa altura para as televisões passarem os filmes do Sergei Loznitsa. Fica a ideia.
E um conselho: procurem fontes de informação fidedigna. O Twitter pode ser muito útil mas é importante verificar a origem das informações. É muito fácil deixarmo-nos levar pelas emoções, pelos likes e pela partilha rápida. Duvidem. Questionem. Procurem. Recuem. Parem para pensar. Este conselho é para todos mas sobretudo para os jornalistas.