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O que fariam se soubessem que vão morrer em breve?

Molly quer fazer sexo. Quer fazer sexo sem culpa, sem tabus, sem restrições. E gostaria também de ter um orgasmo fazendo sexo com outra pessoa, algo que nunca conseguiu.

De alguma forma a série Dying for Sex está ligada ao livro da Miranda July de que falei aqui, só que em vez de uma mulher perante a constatação de que está a envelhecer temos uma mulher, um pouco mais nova, com o diagnóstico de um cancro terminal. Em ambas a mesma necessidade, a mesma urgência, de viverem como bem lhes apetece este tempo tão curto que têm pela frente. E isso inclui não continuar numa relação que não as faz feliz e explorarem os seus desejos sexuais, que até aqui estavam aprisionados.

Molly, interpretada por Michelle Williams, tem outros traumas para resolver, incluindo o facto de ter sido abusada sexualmente quando era criança e de ter uma relação complicada com a mãe. E tem uma grande amiga, Nikki, que muda toda a sua vida para a acompanhar nesta fase (e esta é também uma série sobre a amizade e a dor de perder alguém que nos é muito querido).

A série baseia-se na história verdadeira de Molly Kochan, uma americana de Los Angeles que, depois de quatro anos antes ter tratado um cancro, em 2015, quando tinha 41 anos, foi diagnosticada com cancro da mama em estádio 4. Nessa altura, decidiu embarcar numa aventura de descoberta sexual e contar tudo num podcast em que conversava com a sua melhor amiga, Nikki Boyer. “O sexo faz-me sentir viva - e é uma óptima distracção da doença”, disse. O podcast só foi lançado depois da sua morte, em 2019. Molly também contou a sua história no livro de memórias, Screw Cancer: Becoming Whole, que foi lançado em 2020.

Acho que nunca tinha visto uma série que retratasse de forma tão pormenorizada a vida com cancro e o caminho para a morte. Apesar do humor e de todo o sexo, senti-me muito angustiada, sobretudo nos últimos episódios. Se, por um lado, é incrível que já se consiga falar destes temas e fazê-lo assim, com esta personagem tão luminosa e especial, por outro lado, não consegui deixar de me sentir extremamente triste e de pensar em todas as pessoas que eu conheço que passaram por situações semelhantes. O que terão pensado? O que terão sentido? Sentiram-se sozinhas? Será que fizemos tudo o que era possível por elas? 

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publicado às 19:02

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Gostei muito de To the End, o documentário sobre os Blur que está no Filmin. Para mim, que ouvia os Blur no início dos anos 90, sobretudo o Modern Life is Rubbish e depois o Parklife e The Great Escape, foi uma viagem e tanto. Continuei a ouvi-los e, mesmo não lhes dando a mesma atenção, nunca me desiludiram. Só os vi duas vezes em concerto e foram ambas incríveis. Em 2015 no Super Bock Super Rock no Parque das Nações e depois em 2023 no Festival Kalorama no Parque da Bela Vista. O filme centra-se nesta última fase da carreira e no concerto de consagração em Wembley, mas vai recuperando algumas imagens antigas, para contar a história, para mostrar como foi e como é. Eles estão mais velhos, claro, com rugas, com barriga, a voz do Damon já não é tão limpa, às vezes estão cansados, já lhes custa ficarem acordados até às tantas, mas no essencial estão na mesma. Continuam a ser um grupo de miúdos que se junta para tocar e que tem prazer nisso. Vê-los agora, a falar dos filhos, das casas no campo, das dores nos corpos, é incrível. Envelhecemos todos, obviamente. Envelhecemos juntos. E isso é bastante comovente. 

publicado às 18:05

Um livro

É engraçado quando vamos lendo livros de um autor e vamos percebendo qual é o seu universo, os temas de que gosta, o espaço onde se movimentam as suas personagens. No seu mais recente livro, Toda a Gente Tem um Plano, Bruno Vieira do Amaral continua a sua investida pelos bairros mais pobres da margem Sul para nos mostrar aqueles que tantas vezes parecem invisíveis. Continua, por exemplo, entre gente que veio de África (ou do Brasil) e gente que procura conforto em deus. Gosto muito da maneira como o autor construiu esta história, evitando a linearidade, fazendo-nos ir lá atrás no tempo, uma vez e outra vez, para conhecermos melhor este Calita e as curvas da sua vida. Também gosto muito do cuidado que põe na criação das personagens e dos contextos, quase como se nos transportasse para aqueles locais, como se aquelas pessoas fossem de carne e osso e nos pudéssemos ter cruzado com elas em algum momento. Gosto de me apegar às personagens, de compreender as suas fraquezas, de ficar a torcer por elas. De sofrer com elas quando elas sofrem.

Um filme

Já o vi há algum tempo, mas, depois, com o barulho dos Óscares e a crise política que nos caiu em cima, acabei por não ter tempo de vir aqui escrever sobre O Atentado de 5 de Setembro. O filme acompanha o atentado terrorista ocorrido nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, mas do ponto de vista dos jornalistas do canal americano CBS, que estavam na torre do satélite, a uma centenas de metros da aldeia olímpica. Admito que será um filme que talvez toque mais os jornalistas. E ainda mais os jornalistas que estejam ligados à televisão. Afinal, aquela foi não só a primeira vez que os jogos olimpicos foram transmitidos em directo, mas também a primeira vez que um atentado terrorista foi transmitido em directo pela televisão - com todas as questões que isso levanta. Mas acho que pode ser interessante para toda a gente. Posso dizer-vos que, mesmo sabendo como aquilo ia acabar, o filme conseguiu envolver-me completamente e até deixar-me nervosa.

Uma série

Adolescência é mesmo imperdível. O nome diz tudo: é uma minissérie sobre a adolescência, nos seus muitos aspectos. A pressão a que os jovens estão sujeitos, por parte dos outros jovens, agravada pelas redes sociais. A influência que alguns gurus e ideologias podem ter sobre os jovens. A relação com os pais. A escola. O desespero dos professores. A falta de perspectivas. A falta de empatia. A linguagem. Os telemóveis sempre na mão. As portas dos quartos fechadas. A impotência dos pais. A culpa. Está lá tudo, mas ao mesmo tempo é uma série muito diferente de todas as outras séries que já vimos sobre adolescentes. São quatro episódios muito bem feitos, muito bem realizados, muito bem interpretados. O primeiro episódio tem imensa tensão. O episódio da escola é bastante perturbador. O último é o mais tocante (pelo menos, para mim). Fez-me pensar tanto. Não quero estar a contar muito. Está na Netflix. Vejam que não se vão arrepender.

publicado às 20:12

Como prometido, e antes que me esqueça, venho aqui falar de alguns filmes que andei a ver e que poderão não ser os melhores nem estar indicados a prémios, mas, ainda assim, são filmes que me tocaram de alguma maneira.

Challengers

Realizado por Luca Guadagnini, Challengers acompanha o triângulo amoroso composto por uma estrela do ténis lesionada que se transforma em treinadora (Zendaya), o seu ex-namorado e jogador de ténis sem grande sucesso (Josh O'Connor) e o seu marido e campeão de ténis (Mike Faist) ao longo de 13 anos de relacionamento, culminando numa partida entre eles num jogo do ATP Challenger Tour. Para quem gosta de ténis, como eu, este filme é uma delícia, retratando muito bem vários aspectos da vida dos jogadores e todo aquele mundo (aconselho a leitura deste testemunho de Conor Niland e, sobre o filme, o texto de uma ex-jogadora, Andrea Petkovic). Depois, isto do triângulo amoroso pode não ser muito original, mas parece-me que o Guadagnini lhe dá bem a volta. 

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How to have sex

Vi no Filmim, entusiasmada pelo trailer, e foi uma boa surpresa. O filme é a estreia na realização da britânica Molly Manning Walker, de 31 anos. Acho que se sente, nos pequenos detalhes, que é realizado por uma mulher. Em vez do habitual male gaze, temos um olhar bastante honesto e sensível sobre este grupo de raparigas de 16 anos numa viagem a Creta. O ambiente é aquele que imagino que seja nas viagens de finalistas, com miúdos vindos do Reino Unido com o único objectivo de se divertirem, beberem, dançarem e curtirem uns com os outros (que é uma expressão que se usava muito no meu tempo, embora agora tenha caído em desuso). Eventualmente, ter sexo, claro. Podia ser um filme sobre a primeira vez. Mas é sobretudo sobre a peer pressure a que os adolescentes estão sujeitos, sobretudo as raparigas, presas naquela vontade de agradar aos homens e de ser desejadas, e de como por causa disso tantas vezes ignoram os seus próprios desejos. Muito boa a interpretação de Mia McKenna-Bruce.

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Lee

A história de Lee Miller, só por si, já é um filme. Foi uma fotógrafa americana que começou por trabalhar como modelo, o que a levou a trabalhar com Man Ray, em Paris, e a começar também a fotografar. Durante a Segunda Guerra Mundial, passou do surrealismo e dos retratos para o fotojornalismo, documentou os bombardeamentos em Londres e depois acompanhou o exército americano na Europa. Esteve na casa de Hitler, captou o uso de napalm e registou a libertação de Paris e os campos de concentração de Buchenwald e Dachaus. Realizado por Ellen Kuras e protagonizado por Kate Winslet, Lee não tem  nada de extraordinário, mas também não é um mau filme. 

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As Três Filhas

As Três Filhas é um filme especialmente tocante para quem tem esta idade que eu tenho e vê os seus pais a envelhecer. É a história de três irmãs que seguiram percursos muito diferentes mas que tentam pôr de parte as suas desavenças para cuidar do pai nos seus últimos dias de vida. É muito sobre aquele balanço que fazemos em determinadas alturas da vida do que fizemos e deixámos de fazer, as decisões que tomámos e os sonhos que deixámos para trás. E como eventualmente percebemos que o amor e aquilo que partilhamos com as pessoas que amamos é mesmo o mais importante. Realizado por Azazel Jacobs, o filme conta com óptimas interpretações de Carrie Coon, Natasha Lyonne e Elizabeth Olse. Está na Netflix.

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Janet Planet

Janet Planet é o primeiro filme realizado pela dramaturga Annie Baker. Janet (Julianne Nicholson) é uma mãe solteira e acumpucturista hippie, que vive com a filha de 11 anos, Lucy  (Zoe Ziegler), numa pequena cidade americana. A acção passa-se no início dos anos 90. Ainda não há telemóveis. Lucy, que não tem muitos amigos, arranja maneira de escapar ao campo de férias e passa os longos dias do verão sozinha, ou com a mãe e com os amigos da mãe, que vão aparecendo por ali. Estamos tanto no mundo de Janet, uma mulher que quer mais para a sua vida, como estamos no mundo daquela miúda solitária, Lucy, a braços com as confusas emoções da adolescência. Janet Planet é também sobre mães e filhas e sobre esta relação essencial mas tão complicada. Um filme aparentemente simples e onde pouco acontece, e é em parte nisso que está a sua beleza. 

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publicado às 17:09

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Devorei a série espanhola Los Años Nuevos. São dez episódios que acompanham a vida de Ana e Óscar ao longo de dez anos. Encontramo-los sempre na passagem de ano, um dia apenas. O resto, o que se passa entretanto, só podemos imaginar. Apaixonam-se no primeiro episódio, mas a relação vai mudando. Umas vezes estão juntos e são namorados, outras vezes são apenas amigos, encontram-se por acaso ou até podem estar separados. Ao longo de dez anos, vemo-los amadurecer, envelhecer, transformar-se. Aproximam-se e afastam-se, desejam-se ao longe ou ao perto.

Um dos segredos desta série é o seu enorme realismo. O autor é Rodrigo Sorogoyen, argumentista e realizador de cinema e televisão, vencedor de prémios Goya, nomeado a um Óscar com uma curta-metragem, Madre (2017). Os actores são todos óptimos, mas o destaque vai obviamente para os protagonistas Irina del Río e Francesco Carril. Os diálogos são muito naturais e o facto de as cenas terem sido filmadas em locais reais também ajuda. O resultado é que às vezes até me esquecia que estava a ver uma série, mais parecia que aquelas pessoas eram minhas amigas. É tudo muito a vida como ela é. Com casas desarrumadas, nódoas na roupa, gestos banais, as dúvidas e as máscaras de uma pandemia, o sexo no sofá. E o tempo que passa. Os pais que envelhecem, os amigos que têm filhos, os casamentos e os divórcios, os trabalhos, as carreiras, as frustrações e as alegrias. Erros e acertos, beijos e abraços, desentendimentos e discussões, problemas e desilusões que podiam ser os nossos (e tanto que poderia dizer sobre isto).

 

Vi em espanhol com legendas em espanhol, ao início achei que não ia perceber nada mas depois entrei no ritmo dos diálogos e acho que percebi quase tudo. 

Se quiserem ouvir músicas lamechas espanholas de que nunca gostaram mas que em determinado momento da vida até fazem sentido, podem fazer como eu e cuscar a banda sonora.

Se assinarem o Movistar Plus para ver a série, aproveitem também para ver o filme Volveréis, de Jonás Trueba, que é muito o mesmo género e se cruza, a determinada altura, com Los Años Nuevos - é só uma curiosidade, mas fica a dica.

publicado às 19:10

Vou fazer 50 anos. Nunca me apetece festejar e este ano não é excepção, por mim fingíamos que este dia nem se quer existia e dispensavam-se os telefonemas e as mensagens e tudo, mas, pronto, se calhar, desta vez, vai ter que ser, não é?, afinal, são 50, caramba, vamos mesmo ter que inventar alguma coisa.

Estou a fazer pilates clínico com uma instrutora muito querida que bate palminhas e diz "muito bem" sempre que eu consigo apertar as nádegas, os glúteos e os abdominais ao mesmo tempo e fazer todas as repetições. O estúdio parece uma sala de tortura cheia de máquinas esquisitas e, para já, só lá vi pessoas mais velhas do que eu. Não adoro, mas estou a esforçar-me. Porque é importante para a recuperação. Ando toda dorida o que só pode significar que estou a mexer músculos que estavam há muito adormecidos. Mas a parte melhor é quando, no fim da aula, ela me pendura pelos pés e me deixa a relaxar. Sou muito boa a relaxar. É bom que isto sirva para alguma coisa, uma vez que é caríssimo. Tenho orçamento para dois meses (três, na loucura), antes de voltar ao pilates dos pobres no ginásio. 

O trabalho também tem sido uma tortura. Há dias em que me apetece desistir de tudo (depois lembro-me que tenho contas para pagar). A única coisa boa dos últimos tempos foi ler o livro da Sally Rooney e escrever sobre ele. Nunca tinha lido nada dela e gostei mais do que estava à espera.

Antes de me abalançar na última temporada da série A Amiga Genial, decidi rever as três temporadas anteriores. Voltei a gostar como da primeira vez. E gostei ainda mais de "passear" por Nápoles, agora que já conheço a cidade.

Foi há quase um ano que fui a Nápoles. Tem sido um ano bom. Muito bom, mesmo. Apesar de tudo. Um dia vou escrever sobre isto. Gostaria de um dia escrever sobre isto no presente, e não no passado como normalmente acontece. Dizer "gostaria de um dia escrever sobre isto no presente" é já dizer tanto. 

Na outra noite fui ver o Samuel Úria. Foi uma noite tão feliz. Já não me lembrava como gosto dele e daquelas canções. 

"E se euE se eu me esquecer de tiMas não dessa forma que o fizIsso fui só eu a ser só eu
Mas, se se enrugar a noção do meu melhorVem, de novo, deseducar-me de estar só
 
E se tuE se te apagares de mimMas não como às vezes pediIsso fui eu só a ser eu só
 
Ai, se se enrugar a noção do meu melhorVem, de novo, curar-me o vício de estar só"
 

Hoje comi uma romã e, como sempre, lembrei-me da minha avó. Outubro é também o mês dela. É o nosso mês. Das que cá estão e das que já não estão.

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(Peço desculpa se não perceberam este post. Às vezes sou um bocadinho egoísta e escrevo só para mim. Outubro ainda vai a meio. Tenho tanta coisa para fazer até aos 50, a agenda cheia, nem vou ter tempo de me angustiar. Digo eu.)

publicado às 21:43

O que faz uma pessoa que não pode sair de casa e, estando em casa, nem sequer pode dedicar-se às limpezas? Faz binge-watching, ou seja, vê séries até cair para o lado de exaustão. No meu caso, foram estas três:

The Bear (3ª temporada)

Demorei a entrar na loucura da primeira temporada, parecia que estavam sempre todos aos gritos e o stress era imenso, mas quando entrei adorei. A segunda temporada foi ainda melhor, embora nos sentíssemos a mergulhar cada vez mais fundo na melancolia de Carmy Berzatto. Não sei se estava preparada para os níveis de ansiedade causados por esta terceira temporada. Existe o excelente episódio dedicado a Tina e há um episódio só para o parto (com a cada vez melhor Jamie Lee Curtis), passamos ao de leve pelos dramas de Sidney, de Richie e de Marcus, mas, na verdade, em grande parte do tempo estamos na cabeça de Carmy, na confusa, deprimida e obsessiva cabeça de Carmy. A cozinha é o seu quarto e a comida é o seu oxigénio. Tudo o que se passa ali, entre facas e panelas e condimentos e molhos com nomes esquisitos, é uma consequência (e uma metáfora) do que se passa na sua cabeça. Está tudo ligado e é lindo de uma maneira triste. A cada episódio sentimos o peito mais apertado porque não sabemos se ele vai ser capaz de continuar com o restaurante ou sequer de continuar com a sua vida. A série é muito bem feita. Tudo. O argumento é excelente (o atrevimento de começar a temporada com um episódio quase sem diálogos e, no entanto, faz tanto sentido), os actores são óptimos, a música continua a ser escolhida a dedo. A única crítica a apontar: sabemos que a quarta temporada já foi gravada e parece-me que isso se nota, esta é uma temporada onde o tempo corre muito devagar e onde muito pouco acontece de facto, é como uma pausa, como se estivessem todos a pensar o que irão fazer na temporada seguinte. Não é necessariamente mau. É só muito aflitivo para quem se envolve emocionalmente com as personagens como eu.

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Lady in the Lake

Se ignorarmos o horrível genérico (sim, eu vejo o genérico, nem que seja uma vez), o resto é bastante bom. Estamos em Baltimore nos anos de 1960 e temos duas personagens centrais, duas mulheres muitos distintas: Maddie Schwartz (Natalie Portman), judia, privilegiada, casada e com um filho adolescente, dona-de-casa dedicada a eventos de caridade, com "tudo" para ser feliz mas, na verdade, muito infeliz; e Cleo Johnson (Moses Ingram), negra, pobre, com um casamento problemático e dois filhos, trabalha como manequim em lojas de roupa para senhoras ricas e como guarda-livros para um dos big bosses da comunidade negra (e do crime local). As vidas das duas mulheres acabam por se cruzar devido ao homicídio de uma menina. Esta poderia ser uma série sobre um crime, ou até sobre racismo, e também é, mas mais do que tudo é uma série sobre duas mulheres que estão fartas de estarem presas numa vida de que não gostam, que estão fartas de viverem submissas, num mundo masculino e cheio de regras, querem mudar, querem evoluir, querem controlar a sua história. Só que o caminho para lá chegarem não é igual. Gostei muito desta série embora por vezes ficasse um bocadinho farta do egoísmo e egocentrismo de Maddie (também é engraçado ver como são retratados os jornalistas e o desmazelo do trabalho jornalístico, mas pronto, adiante). Se calhar tirávamos aquelas partes dos pesadelos de Maddie e não se perdia nada, não?

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The Good Mothers

Um mergulho na 'Ndrangheta, a mafia da região de Calabria, pelos olhos das mulheres: as filhas, as mães, as irmãs e as mulheres dos mafiosos têm um papel secundário na organização criminosa mas são essenciais para manter a cola desta grande "família". Neste mundo absolutamente machista, as mulheres querem-se submissas, donas-de-casa e cuidadoras dos filhos, de lábios pintados para os maridos mas de olhos fechados para os mundo, prontas a levarem uma estalada (ou mais do que isso) sempre que ousarem responder ou desobedecer. "É assim, tens que aceitar", ensinam as mães às filhas. A lealdade - à família e ao chefe da família - é o valor mais importante aqui, mais importante do que o amor, a liberdade, a honestidade, a auto-estima. Mas e se algumas mulheres não quiserem continuar a viver assim? Destaque para as interpretações de Valentina Bellè e Gaia Girace (que conhecemos d'A Amiga Genial). Aconselho muito.

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publicado às 14:12

Julho. Tivemos os nossos dias de praia, poucos mas bons. Depois os miúdos também tiveram os seus dias de praia. Mandam-me fotografias repletas de céu azul e sorrisos rasgados. Estão enormes. Como crescem os filhos quando estão longe de nós. Temo que no regresso já não me caibam nos abraços que lhes quero (preciso) dar. A parte boa de os filhos estarem de férias sem mim é que, apesar de estar a trabalhar, tenho tempo de sobra para fazer as minhas coisas sem sentimentos de culpa nem pensar no que vai ser o jantar. Coisas como ficar horas sentada no sofá a ver os jogos olímpicos. Ou jantar com amigos. Ou ir fazer um workshop de cozinha do Médio Oriente no Mezze. Ou não fazer nada. Ou isto:

Dois espectáculos 

À Primeira Vista, texto de Suzie Miller, encenação de Tiago Guedes, interpretação de Margarida Vila-Nova. Sobre isto de ser mulher, as agressões sexuais a que estamos sujeitas, o machismo da sociedade em que vivemos mas, sobretudo, do sistema judicial. As estatísticas dizem que uma em cada três mulheres já sofreram algum tipo de agressão sexual. Então, porque continuamos a tratar assim as vítimas? Porque continuamos a duvidar das suas palavras? A menosprezar o trauma que sofreram? A dar o benefício da dúvida aos agressores? Oh, coitado, foi só um deslize, tinha bebido de mais, ele no fundo não é má pessoa. O texto é muito bom. A Margarida Vila-Nova aguenta-se à bronca. O resultado não é uma obra-prima mas é bom. E importante. Depois de uma primeira temporada esgotada, o espectáculo vai voltar ao Teatro Maria Matos de 18 de setembro a 27 de novembro.

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Madrinhas de Guerra, de Keli Freitas. Uma reflexão sobre o colonialismo e o modo como, em 2024,  ainda romantizamos as "descobertas" dos portugueses que "deram novos mundo ao mundo" e a guerra onde tantos rapazes morreram e sofreram em nome de um império que não era seu. É um olhar inquiridor mas ao mesmo tempo com sentido de humor. Um espectáculo que parece estar inacabado, que levanta mais perguntas do que dá respostas, que nos deixa com vontade de mais. Vi-o no auditório do Museu de História Natural e só isso já foi uma experiência. Se o voltarem a encontrar por aí não percam.

Um livro

Tudo é rio, de Carla Madeira

Preparem-se para todo o balanço e toda a doçura que o português do Brasil nos pode dar. Porque há sotaques que parecem perfeitos para contar o amor (e desamor) e o desejo. Esta é a história de um improvável trio amoroso, a prostituta Lucy, o instável Venâncio e a doce Dalva, mas é também a história das suas famílias, das dores que trazemos connosco e da importância de procurarmos a alegria contra todas as evidências em contrário. Uma delícia.

Um filme

Memória, realizado por Michel Franco, com Jessica Chastain e Peter Sarsgaard. Um encontro improvável entre uma mulher que luta para sobreviver ao trauma (outra vez uma agressão sexual e todas as suas consequências) e manter-se longe do álcool e um homem que sofre de demência e está a perder a memória. Uma batalha entre aquilo que queremos recordar e aquilo que gostaríamos de esquecer. A alegria (a tal alegria) de descobrir o amor confronta-se com as dificuldades da vida real. A verdade é que todos precisamos de quem cuide de nós.

Uma série

Nem uma mais, série espanhola na Netflix, sobre como a violência sexual está presente no dia a dia de um grupo de amigas no liceu (outra vez, sim, juro que não foi de propósito, mas é um tema mesmo importante, ainda bem que se fala disto). Um namorado, um amigo, um professor, qualquer um pode ser um abusador. Mais uma vez, não é uma obra prima, mas é uma série muito bem feita, as miúdas são fantásticas e tenho a certeza que muitas de nós se vão relacionar com aquelas situações. 

publicado às 12:08

Sabem aquele desespero das mães durante o confinamento de covid-19? Está todo contado em Dia, o novo livro do Michael Cunningham. Não é o meu género habitual de escrita, porque tem muitos diálogos, mas, surpreendentemente, cativou-me desde o momento em que me cruzei com aquela mãe sentada na escada do prédio, a tentar fugir da sua vida nem que fosse por um bocadinho. A mãe, o adolescente colado aos videojogos, o medo da morte, aquela crença parva de que íamos sair daquilo melhores pessoas, a certeza de que se não formos nós a fazer pela nossa vida provavelmente poderemos não ter uma segunda oportunidade. Falei com o autor e foi uma bela conversa.

A Sara Inês Gigante faz aqueles espectáculos auto-ficcionais e ao mesmo tempo a gozar consigo própria, com o seu corpo, com os seus sonhos, com o seu talento. Já era assim com a Massa Mãe e voltou a ser assim com Popular, um espectáculo que problematiza o que é isso de ser pop, o que é isso de ser elite ou para as massas, o que é isso de ser artista e de ser público. Ainda têm dois dias para ir vê-la e comer pipocas ao Teatro Meridional.

Acabei de ver Under the Bridge, uma série que reconta a história verdadeira do homicídio de Reena Virk, uma rapariga de 14 anos que foi morta pelo grupo de "amigos" numa terra perdida do Canadá. Tem Lily Gladstone, Riley Keough e mais uns miúdos desconhecidos mas talentosos. Devorei-a em dois dias, sacrificando horas de sono preciosas. Achei muito bem feita. Levanta questões muito sérias sobre a juventude, a "peer pression" e os ideais de beleza, a violência que surge sabe-se lá de onde, a importância da família e das redes de apoio, a dificuldade de educar (de entender, até de comunicar com) adolescentes, a culpa, o arrependimento, a justiça.

Não gosto de bailaricos nem de arraiais nem de música pimba. Mas gosto de junho. Dos dias grandes. De estar com amigos. Do alívio que são as férias da escola. Por entre contas para pagar, dias de trabalho deprimentes e comprimidos de ferro que me deixam enjoada, entregar finalmente o IRS, fazer exames de saúde vários e dias em que só me apetece ficar no meu canto e não me digam nada, coisas boas aconteceram em junho. É importante guardar as memórias boas e celebrá-las. Os momentos de felicidade - ainda que curtos - são sempre o que fazem isto tudo valer a pena.

publicado às 00:21

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É verdade que não tenho ido ao cinema, mas enquanto estou no sofá continuo a ocupar grande parte do meu tempo livre a ver filmes, sobretudo no Filmin. Explorando o catálogo, tem dado para rever filmes antigos (como Os Amigos de Alex, de Lawrence Kasdan, ou As Duas Faces do Espelho, de Barbra Streisand), colmatar falhas (por exemplo, dos filmes do Kiarostami) e encontrar coisas que nem sabia que existiam (como A Festa, de Sally Potter, com o bónus de ouvir um bocadinho dos Verdes Anos de Carlos Paredes). Tenho uma lista enorme de filmes "guardados" para ver mais tarde.

Dos que vi ultimamente, deixo três destaques. Três filmes sobre a infância e a adolescência e a difícil tarefa de crescer:

20.000 espécies de abelhas, realizado por Estibaliz Urresola, é um filme espanhol que se passa maioritariamente em Llodio, uma pequena cidade do País Basco, durante umas férias chuvosas. É a história de uma família em desagregação e de uma criança de oito anos em busca da sua identidade de género. O desconforto com o nome, com a roupa, com os olhares dos outros. Uma mãe que tenta ser compreensiva mesmo não sabendo como agir. Um filme de uma enorme ternura e muito actual.

The Quiet Girl, de Colm Bairéad, filme irlandês nomeado para o Óscar de Melhor Filme Internacional no ano passado. Se em 20.000 espécies de abelhas as personagens alternavam entre o espanhol e o "euskera", aqui alternam entre o inglês e o gaélico. Anos 80. Novamente uma criança no centro da história, uma menina de nove anos de uma família pobre e disfuncional que vai passar os meses do verão com uma prima da mãe e acaba por descobrir que as famílias podem ser um lugar de amor e de compreensão. Tão belo, tão comovente.

Raparigas, de Pilar Palomero. Filme espanhol que acompanha uma adolescente, Celia, e as suas amigas que frequentam um colégio católico, gerido por freiras, nos anos 90. O conservadorismo de toda a sociedade não consegue controlar a enorme sede de viver destas raparigas que hão de arranjar maneira de pintar os lábios, ir à discoteca e estar com rapazes. Um bom retrato da adolescência. 

 

publicado às 12:08


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