Voltar ao topo | Alojamento: Blogs do SAPO
Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
O que faz uma pessoa que não pode sair de casa e, estando em casa, nem sequer pode dedicar-se às limpezas? Faz binge-watching, ou seja, vê séries até cair para o lado de exaustão. No meu caso, foram estas três:
The Bear (3ª temporada)
Demorei a entrar na loucura da primeira temporada, parecia que estavam sempre todos aos gritos e o stress era imenso, mas quando entrei adorei. A segunda temporada foi ainda melhor, embora nos sentíssemos a mergulhar cada vez mais fundo na melancolia de Carmy Berzatto. Não sei se estava preparada para os níveis de ansiedade causados por esta terceira temporada. Existe o excelente episódio dedicado a Tina e há um episódio só para o parto (com a cada vez melhor Jamie Lee Curtis), passamos ao de leve pelos dramas de Sidney, de Richie e de Marcus, mas, na verdade, em grande parte do tempo estamos na cabeça de Carmy, na confusa, deprimida e obsessiva cabeça de Carmy. A cozinha é o seu quarto e a comida é o seu oxigénio. Tudo o que se passa ali, entre facas e panelas e condimentos e molhos com nomes esquisitos, é uma consequência (e uma metáfora) do que se passa na sua cabeça. Está tudo ligado e é lindo de uma maneira triste. A cada episódio sentimos o peito mais apertado porque não sabemos se ele vai ser capaz de continuar com o restaurante ou sequer de continuar com a sua vida. A série é muito bem feita. Tudo. O argumento é excelente (o atrevimento de começar a temporada com um episódio quase sem diálogos e, no entanto, faz tanto sentido), os actores são óptimos, a música continua a ser escolhida a dedo. A única crítica a apontar: sabemos que a quarta temporada já foi gravada e parece-me que isso se nota, esta é uma temporada onde o tempo corre muito devagar e onde muito pouco acontece de facto, é como uma pausa, como se estivessem todos a pensar o que irão fazer na temporada seguinte. Não é necessariamente mau. É só muito aflitivo para quem se envolve emocionalmente com as personagens como eu.
Lady in the Lake
Se ignorarmos o horrível genérico (sim, eu vejo o genérico, nem que seja uma vez), o resto é bastante bom. Estamos em Baltimore nos anos de 1960 e temos duas personagens centrais, duas mulheres muitos distintas: Maddie Schwartz (Natalie Portman), judia, privilegiada, casada e com um filho adolescente, dona-de-casa dedicada a eventos de caridade, com "tudo" para ser feliz mas, na verdade, muito infeliz; e Cleo Johnson (Moses Ingram), negra, pobre, com um casamento problemático e dois filhos, trabalha como manequim em lojas de roupa para senhoras ricas e como guarda-livros para um dos big bosses da comunidade negra (e do crime local). As vidas das duas mulheres acabam por se cruzar devido ao homicídio de uma menina. Esta poderia ser uma série sobre um crime, ou até sobre racismo, e também é, mas mais do que tudo é uma série sobre duas mulheres que estão fartas de estarem presas numa vida de que não gostam, que estão fartas de viverem submissas, num mundo masculino e cheio de regras, querem mudar, querem evoluir, querem controlar a sua história. Só que o caminho para lá chegarem não é igual. Gostei muito desta série embora por vezes ficasse um bocadinho farta do egoísmo e egocentrismo de Maddie (também é engraçado ver como são retratados os jornalistas e o desmazelo do trabalho jornalístico, mas pronto, adiante). Se calhar tirávamos aquelas partes dos pesadelos de Maddie e não se perdia nada, não?
The Good Mothers
Um mergulho na 'Ndrangheta, a mafia da região de Calabria, pelos olhos das mulheres: as filhas, as mães, as irmãs e as mulheres dos mafiosos têm um papel secundário na organização criminosa mas são essenciais para manter a cola desta grande "família". Neste mundo absolutamente machista, as mulheres querem-se submissas, donas-de-casa e cuidadoras dos filhos, de lábios pintados para os maridos mas de olhos fechados para os mundo, prontas a levarem uma estalada (ou mais do que isso) sempre que ousarem responder ou desobedecer. "É assim, tens que aceitar", ensinam as mães às filhas. A lealdade - à família e ao chefe da família - é o valor mais importante aqui, mais importante do que o amor, a liberdade, a honestidade, a auto-estima. Mas e se algumas mulheres não quiserem continuar a viver assim? Destaque para as interpretações de Valentina Bellè e Gaia Girace (que conhecemos d'A Amiga Genial). Aconselho muito.
Julho. Tivemos os nossos dias de praia, poucos mas bons. Depois os miúdos também tiveram os seus dias de praia. Mandam-me fotografias repletas de céu azul e sorrisos rasgados. Estão enormes. Como crescem os filhos quando estão longe de nós. Temo que no regresso já não me caibam nos abraços que lhes quero (preciso) dar. A parte boa de os filhos estarem de férias sem mim é que, apesar de estar a trabalhar, tenho tempo de sobra para fazer as minhas coisas sem sentimentos de culpa nem pensar no que vai ser o jantar. Coisas como ficar horas sentada no sofá a ver os jogos olímpicos. Ou jantar com amigos. Ou ir fazer um workshop de cozinha do Médio Oriente no Mezze. Ou não fazer nada. Ou isto:
Dois espectáculos
À Primeira Vista, texto de Suzie Miller, encenação de Tiago Guedes, interpretação de Margarida Vila-Nova. Sobre isto de ser mulher, as agressões sexuais a que estamos sujeitas, o machismo da sociedade em que vivemos mas, sobretudo, do sistema judicial. As estatísticas dizem que uma em cada três mulheres já sofreram algum tipo de agressão sexual. Então, porque continuamos a tratar assim as vítimas? Porque continuamos a duvidar das suas palavras? A menosprezar o trauma que sofreram? A dar o benefício da dúvida aos agressores? Oh, coitado, foi só um deslize, tinha bebido de mais, ele no fundo não é má pessoa. O texto é muito bom. A Margarida Vila-Nova aguenta-se à bronca. O resultado não é uma obra-prima mas é bom. E importante. Depois de uma primeira temporada esgotada, o espectáculo vai voltar ao Teatro Maria Matos de 18 de setembro a 27 de novembro.
Madrinhas de Guerra, de Keli Freitas. Uma reflexão sobre o colonialismo e o modo como, em 2024, ainda romantizamos as "descobertas" dos portugueses que "deram novos mundo ao mundo" e a guerra onde tantos rapazes morreram e sofreram em nome de um império que não era seu. É um olhar inquiridor mas ao mesmo tempo com sentido de humor. Um espectáculo que parece estar inacabado, que levanta mais perguntas do que dá respostas, que nos deixa com vontade de mais. Vi-o no auditório do Museu de História Natural e só isso já foi uma experiência. Se o voltarem a encontrar por aí não percam.
Um livro
Tudo é rio, de Carla Madeira
Preparem-se para todo o balanço e toda a doçura que o português do Brasil nos pode dar. Porque há sotaques que parecem perfeitos para contar o amor (e desamor) e o desejo. Esta é a história de um improvável trio amoroso, a prostituta Lucy, o instável Venâncio e a doce Dalva, mas é também a história das suas famílias, das dores que trazemos connosco e da importância de procurarmos a alegria contra todas as evidências em contrário. Uma delícia.
Um filme
Memória, realizado por Michel Franco, com Jessica Chastain e Peter Sarsgaard. Um encontro improvável entre uma mulher que luta para sobreviver ao trauma (outra vez uma agressão sexual e todas as suas consequências) e manter-se longe do álcool e um homem que sofre de demência e está a perder a memória. Uma batalha entre aquilo que queremos recordar e aquilo que gostaríamos de esquecer. A alegria (a tal alegria) de descobrir o amor confronta-se com as dificuldades da vida real. A verdade é que todos precisamos de quem cuide de nós.
Uma série
Nem uma mais, série espanhola na Netflix, sobre como a violência sexual está presente no dia a dia de um grupo de amigas no liceu (outra vez, sim, juro que não foi de propósito, mas é um tema mesmo importante, ainda bem que se fala disto). Um namorado, um amigo, um professor, qualquer um pode ser um abusador. Mais uma vez, não é uma obra prima, mas é uma série muito bem feita, as miúdas são fantásticas e tenho a certeza que muitas de nós se vão relacionar com aquelas situações.
Sabem aquele desespero das mães durante o confinamento de covid-19? Está todo contado em Dia, o novo livro do Michael Cunningham. Não é o meu género habitual de escrita, porque tem muitos diálogos, mas, surpreendentemente, cativou-me desde o momento em que me cruzei com aquela mãe sentada na escada do prédio, a tentar fugir da sua vida nem que fosse por um bocadinho. A mãe, o adolescente colado aos videojogos, o medo da morte, aquela crença parva de que íamos sair daquilo melhores pessoas, a certeza de que se não formos nós a fazer pela nossa vida provavelmente poderemos não ter uma segunda oportunidade. Falei com o autor e foi uma bela conversa.
A Sara Inês Gigante faz aqueles espectáculos auto-ficcionais e ao mesmo tempo a gozar consigo própria, com o seu corpo, com os seus sonhos, com o seu talento. Já era assim com a Massa Mãe e voltou a ser assim com Popular, um espectáculo que problematiza o que é isso de ser pop, o que é isso de ser elite ou para as massas, o que é isso de ser artista e de ser público. Ainda têm dois dias para ir vê-la e comer pipocas ao Teatro Meridional.
Acabei de ver Under the Bridge, uma série que reconta a história verdadeira do homicídio de Reena Virk, uma rapariga de 14 anos que foi morta pelo grupo de "amigos" numa terra perdida do Canadá. Tem Lily Gladstone, Riley Keough e mais uns miúdos desconhecidos mas talentosos. Devorei-a em dois dias, sacrificando horas de sono preciosas. Achei muito bem feita. Levanta questões muito sérias sobre a juventude, a "peer pression" e os ideais de beleza, a violência que surge sabe-se lá de onde, a importância da família e das redes de apoio, a dificuldade de educar (de entender, até de comunicar com) adolescentes, a culpa, o arrependimento, a justiça.
Não gosto de bailaricos nem de arraiais nem de música pimba. Mas gosto de junho. Dos dias grandes. De estar com amigos. Do alívio que são as férias da escola. Por entre contas para pagar, dias de trabalho deprimentes e comprimidos de ferro que me deixam enjoada, entregar finalmente o IRS, fazer exames de saúde vários e dias em que só me apetece ficar no meu canto e não me digam nada, coisas boas aconteceram em junho. É importante guardar as memórias boas e celebrá-las. Os momentos de felicidade - ainda que curtos - são sempre o que fazem isto tudo valer a pena.
É verdade que não tenho ido ao cinema, mas enquanto estou no sofá continuo a ocupar grande parte do meu tempo livre a ver filmes, sobretudo no Filmin. Explorando o catálogo, tem dado para rever filmes antigos (como Os Amigos de Alex, de Lawrence Kasdan, ou As Duas Faces do Espelho, de Barbra Streisand), colmatar falhas (por exemplo, dos filmes do Kiarostami) e encontrar coisas que nem sabia que existiam (como A Festa, de Sally Potter, com o bónus de ouvir um bocadinho dos Verdes Anos de Carlos Paredes). Tenho uma lista enorme de filmes "guardados" para ver mais tarde.
Dos que vi ultimamente, deixo três destaques. Três filmes sobre a infância e a adolescência e a difícil tarefa de crescer:
20.000 espécies de abelhas, realizado por Estibaliz Urresola, é um filme espanhol que se passa maioritariamente em Llodio, uma pequena cidade do País Basco, durante umas férias chuvosas. É a história de uma família em desagregação e de uma criança de oito anos em busca da sua identidade de género. O desconforto com o nome, com a roupa, com os olhares dos outros. Uma mãe que tenta ser compreensiva mesmo não sabendo como agir. Um filme de uma enorme ternura e muito actual.
The Quiet Girl, de Colm Bairéad, filme irlandês nomeado para o Óscar de Melhor Filme Internacional no ano passado. Se em 20.000 espécies de abelhas as personagens alternavam entre o espanhol e o "euskera", aqui alternam entre o inglês e o gaélico. Anos 80. Novamente uma criança no centro da história, uma menina de nove anos de uma família pobre e disfuncional que vai passar os meses do verão com uma prima da mãe e acaba por descobrir que as famílias podem ser um lugar de amor e de compreensão. Tão belo, tão comovente.
Raparigas, de Pilar Palomero. Filme espanhol que acompanha uma adolescente, Celia, e as suas amigas que frequentam um colégio católico, gerido por freiras, nos anos 90. O conservadorismo de toda a sociedade não consegue controlar a enorme sede de viver destas raparigas que hão de arranjar maneira de pintar os lábios, ir à discoteca e estar com rapazes. Um bom retrato da adolescência.
Há pessoas que são como cerejas.
Carnudas e brilhantes por fora.
Mas, lá dentro, com um caroço duro e escuro.
(filosofia da treta mas é uma imagem bonita, retirada de Sharp Objects, minissérie bastante viciante e intrigante, com a Amy Adams, que encontrei por estes dias na HBO)
Não sei como, mas tinha passado ao lado desta pequena maravilha: The Last Movie Stars é uma série documental realizada por Ethan Hawke sobre os actores Paul Newman e Joanne Woodward. É sobre cinema e sobre representação e sobre o que é ser uma estrela, mas é também sobre amor, sobre construir uma relação e uma família e sobre a condição das mulheres (até mesmo as mulheres que ganham Óscares e são famosas). Está disponível na HBO e aconselho muito.
"Não há dúvidas de que o comunismo foi uma época terrível para a Rússia, mas o que temos hoje ainda é pior", escreveu Anna Politkovskaya em 2004. Pouco depois, em 2006, a jornalista russa foi assassinada à porta de casa. Tinha 49 anos e dedicara grande parte da sua carreira a denunciar as atrocidades e as injustiças cometidas no seu país, em particular na Chechénia. O livro A Rússia de Putin foi publicado em Portugal no ano passado e é um documento incrível e uma premonição. Estava lá tudo. O fim do comunismo e a tentativa fracassada para construir uma democracia. O poder enorme dos olicargas e das máfias. O desprezo de Putin pelo seu povo. A guerra como forma de manter o poder. A ambição desmedida. A corrupção incrustada na sociedade. A lei do mais forte. Os líderes ocidentais a fecharem os olhos e a darem apertos de mão, porque também lhes convinha. A pobreza das pessoas. O desalento. E, por fim, a necessidade de denunciar, de continuar mesmo sabendo - porque tinha que saber, porque ela própria contou essas histórias - que quem desafia o poder põe a sua vida em risco.
A luta contra a corrupção e por uma democracia do povo era a bandeira de Alexei Navalny. O advogado e político russo, da oposição, seria o maior concorrente a Vladimir Putin nas eleições presidenciais. Mas foi preso várias vezes e foi alvo de uma tentativa de assassinato, por envenamento, em agosto de 2020. O documentário Navalny, que está disponível na HBO e que está nomeado para um Óscar, encontra-o precisamente durante a recuperação, na Alemanha. Apesar de estar longe de casa, Navalny e a sua equipa continuaram a fazer oposição, determinados em fazer com que o mundo soubesse a verdade sobre a Rússia e sobre Putin, convictos de que o apoio internacional poderia evitar o pior. Talvez tenha sido assim: Navalny foi novamente preso no momento em que aterrou na Rússia e, desde então, tem sido certamente torturado e mal tratado de muitas formas; mas não foi morto. O documentário termina com a sua prisão, a 17 de janeiro de 2021, com as imagens incríveis de uma multidão que o esperava feliz mas acabou a levar bastonadas, com os telemóveis a gravarem a detenção de um cidadão apenas porque criticava o governo e denunciava os abusos de poder.
Passa hoje um ano sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia. Uma guerra que está longe de terminar. E se há coisa que este livro e este filme deixam bem claro é que esta guerra não foi uma surpresa para quem acompanhava o que se passava na Rússia. E é por isso que quase todos os líderes ocidentais são culpados disto que veio a acontecer - por terem sido coniventes com uma ditadura, por não terem sabido impor os limites quando deveriam tê-lo feito. Já vimos isto acontecer antes, que nos sirva de lição para o futuro. Com ditadores não pode haver diálogo.
Hoje é um dia bom para ler jornais e para percorrer os sites de informação. Há muita coisa boa para ler e para ver. Escolham bem as vossas fontes de informação e aproveitem. Há muitas histórias bem contadas, histórias de pessoas reais, de gente como nós que foi apanhada no meio de uma guerra. De gente que poderemos vir a ser nós, um dia destes.
Mariupol, 9 de março de 2022
Fotografia de Evgeniy Maloletka/AP
Decisão de Partir
Então, foi assim: choveu durante não sei quantos dias e eu estava já a passar-me de não conseguir sair de casa e, então, no domingo, ou no sábado, já não sei, depois do almoço, avisei a minha malta: vou sair. Mas o tempo continuava manhoso, não dava para confiar. Olhei para o relógio, fiz as contas e decidi ir ver o Ela Disse, da Maria Schrader, sobre o caso Weinstein, mas, depois, entrei no metro e, pimbas, senhores passageiros, devido a um incidente na linha azul a circulação encontra-se interrompida, pedimos desculpa pelo incómodo causado. Felizmente, tinha um livro para ler. Ficámos parados durante 40 minutos. Quando cheguei ao cinema, já não dava para ver o Ela Disse (acabei por não chegar a vê-lo de todo), cusquei o telemóvel enquanto estava na fila da bilheteira e optei por Decisão de Partir, do Park Chan-wook, que é um dos mais conhecidos realizadores sul-coreanos, apesar de não ter as melhores recordações do Oldboy, que é um dos seus filmes mais aclamados mas que não faz, de todo, o meu género. Arrisquei. Nada a ver. Este Decisão de Partir é uma história de amor. A atracção entre um detective da polícia e a suspeita de um homicídio que ele está a investigar. Contado de forma vagarosa. Muito bonito. Muito triste. Li algures, depois, que era um thriller. Não diria tanto. Há um mistério para resolver, mas não sei se isso é o mais importante. Gostei muito. É um filme com muitos silêncios, como se as personagens deixassem sempre algo por dizer. Gosto cada vez mais disso.
Os Fabelmans
Um Spielberg é um Spielberg, há coisas com que contamos logo à partida, como aqueles momentos a puxar à lágrima (pelo menos à minha, que é fácil, fácil) e uma qualquer lição no final (geralmente, é uma lição de moral, aqui é uma lição de cinema). Os Fabelmans é uma autobiografia ficcionada do realizador, que nos mostra o início do seu fascínio pelo cinema, as aventuras dos primeiros filmes, feitos na juventude, com a família e os amigos, até à certeza de que queria que aquela paixão se tornasse mais do que um hobby. É, no fundo, também uma história de amor: do amor de Steven Spielberg pelo cinema - e já sabemos que esta é uma história que acaba bem. Pelo meio, há a história da família, com o divórcio dos pais e toda a dor que isso implica, e há o terror do liceu, com cenas de bullying e amores adolescentes. E até há David Lynch. Pronto, não conto mais. Se quiserem saber mais, leiam este texto, escrito por quem sabe. Ou então vão ver, são quase duas horas e meia mas dá para rir e para chorar e é tão fofinho que nem se dá por isso.
Entretanto, também vi:
Pinocchio de Guillermo del Toro (Netflix) - Muito, muito bem feito. Fez-me lembrar as fábulas tragicómicas do Tim Burton. Não é de todo a minha praia mas não custa a ver.
A Oeste Nada de Novo, de Edward Berger (Netflix) - A história original é de Erich Maria Remarque e já tinha dado origem a um filme americano em 1930. Esta nova versão, alemã, eleva a recriação dos horrores da Primeira Guerra Mundial a um novo patamar (viram o 1917? agora imaginem 265 minutos praticamente só com cenas nas trincheiras e na frente de batalha). Muito violento, explícito, sangrento. Difícil de ver, em determinados momentos. Exactamente como tem de ser, porque nos dias que correm não há como adocicar as guerras. É impossível chegar ao fim sem sentir um grande nojo dos políticos que decidem coisas nos seus gabinetes dourados (sim, estou também a pensar em Putin, mas não só) enquanto milhares de inocentes morrem por coisa nenhuma.
Glass Onion: A Knives Out Mystery, de Rian Johnson (Netflix) - Sinceramente? Um aborrecimento. Tanta estrela junta (Edward Norton, Janelle Monáe, Kate Hudson, Daniel Craig - e até Hugh Grant, por breves instantes - são os nomes mais sonantes, e ainda um tal Dave Bautista que eu desconhecia mas que aparentemente também é uma estrela) mas a mim pareceu-me tudo demasiado falso e forçado. Entretanto, já li análises profundíssimas explicando como o filme é uma crítica aos milionários com pés de barro ao estilo Elon Musk e de como tudo aquilo é uma enorme sátira à nossa sociedade de aparências e criptocoisas. Pode até ser. Mas, para mim, não deixa de ser um aborrecimento.
Na foto, Gabriel LaBelle em Os Fabelmans
Para ler
Os livros da Jessi Klein, que descobri já não me lembro por recomendação de quem nas redes sociais. A Jessi Klein é uma atriz, stand-up comedian e argumentista norte-americana que escreveu dois livros com pequenos textos onde fala disto de ser mulher, de chegar à meia-idade e de ser mãe, com grande realismo e algum humor. Intitulam-se You'll Grow Out of It (2016)e I'll Show Myself Out: Essays on Midlife and Motherhood (2022) e têm lá muito daquilo em que nós, as mulheres, pensamos, dos cabelos brancos à busca pelo amor.
Para ver
Duas sugestões muito diferentes (entre as milhares de coisas que tenho visto no streaming):
Heartstopper (Netflix), uma série sobre adolescentes, que é também uma série sobre pessoas LGBT. Podia ser só mais uma série sobre miúdos num liceu, mas é tão fofinha que conseguiu emocionar uma cota quarentona
Olive Kitteridge (HBO): a partir do livro de Elizabeth Strout, esta minissérie protagonizada por Frances McDormand, Richard Jenkins e Bill Murray acompanha o casamento entre uma rígida professora de matemática e um farmacêutico gentil numa terra perdida em New England, EUA, ao longo de uma vida, por entre obrigações, sonhos e desilusões, filhos que crescem e o lento envelhecimento, com a doença e a morte à espreita. E no meio disto tudo o que é o amor e onde fica a felicidade? E como é que vamos mudando e nos vamos adaptando a todas as mudanças da vida?
Para ouvir
A playlist de outono do ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, é ainda melhor do que a playlist que ele tinha feito para o verão. São quatro horas de puro deleite (e melancolia q.b.). Por aqui está em repeat.