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São mulheres com um sotaque (lindo) do Alentejo. Vejo ali traços das minhas avós e bocados das suas vidas, e só isso já seria suficiente para me comover. São mulheres que nos contam como era a sua vida antes do 25 e Abril de 1974. Umas nunca foram à escola, outras estudaram até à terceira ou quarta classe, começaram a trabalhar com 11, 12, 15 anos, no campo - na apanha da azeitona, na monda, na ceifa - ou então a servir em casa de alguém. Eram crianças ainda e já tomavam conta dos irmãos mais pequenos ou dos filhos das senhoras, faziam a lida da casa, cozinhavam para a família. Casaram virgens e sem saber nada sobre sexo. Serviram os maridos como serviram os patrões: com respeito e obediência. Foram criadas em suas próprias casas, sem pagamento nem reconhecimento. Poucas vezes se questionaram se eram felizes, se poderia ser diferente, se mereciam melhor. Resignaram-se. 

Os vídeos do projecto Antigamente é que era bom estão na página de instagram aifi.lhas e são ao mesmo tempo tristes e belos, mas são, sobretudo, um alerta para que não esqueçamos como era e para não acreditarmos em teorias revisionistas. Muita coisa mudou nestes 51 anos e muita coisa mudou para melhor. Sobretudo para as mulheres.

[Existe um outro projecto muito bonito, o podcast Memória Futura, da Laura Falésia, em que ela entrevista mulheres mais velhas, cada uma com uma história incrível. Fica a dica.]

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Hoje é dia do trabalhador. E da trabalhadora. A foto lá em cima foi tirada DAQUI. Aproveito para aconselhar que procurem as fotografias que a Maria Lamas tirou às mulheres do nosso país e para lembrar o que escrevi num dia particularmente irritada.  

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Queria aproveitar também para falar do meu trabalho, mas, precisamente, estes têm sido dias muito exigentes, e não estou a conseguir escrever o que gostaria de escrever. Mas fica prometido. Ser feliz no trabalho que escolhemos (ainda que não sejamos felizes todos os dias nem todas as semanas, ainda que por vezes duvidemos de tudo, ainda que muitos dias sintamos que não vale a pena e só nos apeteça desistir) é um privilégio enorme. 

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A propósito, já viram o On Falling?

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No nosso largo só se trabalha por gosto:

publicado às 19:23

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Quando o filme terminou não consegui levantar-me. As luzes acenderam-se, a música a tocar, a ficha técnica a passar no ecrã, e eu ali, incapaz de fazer o que quer fosse, sentindo uma tristeza imensa, uma tristeza tão grande por Aurora e por nós todos, que raio de mundo este, a pensar nos meus filhos, no futuro que lhes estamos a deixar, nos valores que lhes queremos passar e, bolas, é Abril outra vez e aqui estamos, ainda, a lutar por termos todos vidas dignas. 

On Falling é a primeira longa-metragem de ficção de Laura Carreira, realizadora portuguesa que vive na Escócia há mais de dez anos. É em Glasgow que se passa este filme. Aurora (interpretada pela excelente Joana Santos) também é portuguesa e trabalha como "colectora" num grande armazém de e-commerce. Passa os seus dias sozinha, vagueando pelos sombrios corredores do armazém a recolher os items para as encomendas. Trabalha muito e vive contando o dinheiro para que chegue ao fim do mês (e às vezes não chega). O filme mostra-nos a repetição dos seus dias, um a seguir ao outro, um igual ao outro, enfiada num armazém inóspito, com uma máquina que apita se ela demora um pouco mais a cumprir a tarefa, num sistema que a vê como um número, um funcionário sem rosto, cuja performance é contabilizada por um computador. Uma vida sem sorrisos nem alegrias. Nos poucos tempos livres que tem, Aurora está quase sempre sozinha, fechada no seu quarto, a olhar para o telefone. Ou então acompanhada dos colegas de trabalho, no refeitório para a pausa do almoço, ou dos colegas de casa, na pequena cozinha onde todos prepararam as refeições - pessoas com quem tem uma intimidade forçada mas com quem não estabelece uma verdadeira relação, e, por isso, até nesses momentos, continua a refugiar-se no scroll infinito do seu telefone. Aurora não tem amigos, não tem abraços.

Quão triste é a vida de alguém quando a única coisa que faz no seu tempo livre é lavar a roupa?

Já tínhamos visto como podem ser as vidas desgraçadas dos emigrantes em Great Yarmouth. Aqui temos outra perspectiva. On Falling é, antes de mais, um filme sobre o capitalismo selvagem em que vivemos e sobre a quase escravatura a que muitos trabalhadores estão sujeitos. Onde o trabalho é um meio de sobrevivência precária mas que não permite qualquer sobre-vivência. "Trabalhar para ganhar a vida, porque é que a vida que se ganha tem de gastar-se a trabalhar (para ganhar a vida)", lembram-se da canção? Contas feitas, aqui não há vida ganha. Este é também um filme sobre a falta que nos faz essa vida fora do trabalho, a falta que nos faz o tempo para sermos outros além de funcionários, a falta que nos faz o convívio, a ligação aos outros, os afectos. É isso que nos mostra a cena final, a única em que se vislumbram sorrisos e alguma alegria.

publicado às 18:46

O mês mais curto foi cheio de coisas boas.

A começar pelos concertos de Ana Lua Caiano e Amélia Muge e de Samuel Úria e Manel Cruz. Foram ambos muito bons. E também uma oportunidade para estar com alguns amigos queridos. Geralmente evito ter programas em dias de semana porque sei que estarei cansada e não me vai apetecer e depois vou ficar ainda mais cansada. Mas foi tudo tão bom nestas duas noites que valeu muito a pena.

Fui moderar um painel numa conferência na Gulbenkian. Deus sabe o que me custa expor-me assim, as noites que passo sem dormir, os nervos que me atacam o corpo. Ainda assim, fiquei mesmo feliz quando recebi o convite e achei o tema tão interessante, tão a minha cara, que é claro que não podia dizer que não [o que é o pior que pode acontecer?, não é?]. Olhando para trás, odeio ver-me e ouvir-me, encontro mil erros, mil coisas que podiam ter sido melhores. Mas tive muita sorte com o meu painel, eram pessoas realmente interessantes e com quem gostei muito de conversar. 

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Foi o aniversário da Helena, que é uma das minhas pessoas preferidas. E foi um dia mesmo bom porque estive com as minhas amigas mais antigas e com quem não tenho tido muita oportunidade de estar, por motivo nenhum especial, apenas porque andamos desencontradas. Foi como se estivéssemos de volta à faculdade, com as conversas a sobreporem-se e a cumplicidade e a honestidade e a amizade de sempre. Gosto mesmo destas miúdas que me entendem bem, mesmo quando falamos pouco. Esse dia; a tarde em que, do nada, combinei com a Isabel irmos ouvir a escritora, Elizabeth Strout à Livraria Bucholz; a caminhada de duas horas pelos caminhos de Monsanto, que me deixou de corpo cansado mas de coração cheio. Foram todos momentos especiais. Não me canso de o dizer: os amigos verdadeiros são o meu oxigénio.

O espectáculo do Tiago Rodrigues, No Yogurt for the Dead, é simplesmente incrível. O texto é muito bom, com um tema muito duro mas ao mesmo tempo com um sentido de humor apurado, a fazer-nos rir e chorar quase ao mesmo tempo. As barbas, a música, a atriz que fala neerlandês, o humor, a montanha - as soluções que ele encontrou para nos falar da morte do pai, ao mesmo tempo emocionando-nos mas criando uma distância segura, são perfeitas. E que dizer daquelas duas actrizes, a Beatriz Brás e a Manuela Azevedo. Sim, a Manuela, dos Clã. Já a tinha visto noutras peças, mas aqui ela excede-se e, além de cantar como sabemos que canta, é uma actriz de corpo inteiro.

 Quem viu o espectáculo sabe como ele fala a todos os que já perderam alguém. É impossível não nos relacionarmos, não nos revermos em alguma das cenas. Ainda por cima, no natal tinha oferecido bilhetes à minha irmã e ao meu cunhado. Já estava contente por termos um programa juntos. Só depois reparei que o espectáculo era no mesmo dia do aniversário da morte da nossa mãe. Acabou por ser ainda mais especial.

Os problemas não se resolveram mas, este mês, parece que estiveram mais suportáveis. Os putos mais orientados. O trabalho menos odioso. Um bocadinho menos, vá. Ou então era eu que estava tão entretida a fazer planos para março que já não me chateei muito. Também há isso. 

publicado às 14:12

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Há sorrisos que dizem mais do que muitas palavras. Sou feliz a trabalhar (mas só às vezes). 

Há um novo episódio do podcast da Arte em Rede para ouvirem AQUI. Ainda não ultrapassei a estranheza de ouvir a minha voz, mas já estou mais apaziguada com isto de fazer jornalismo na primeira pessoa. 

A fotografia é do Pedro Jafuno.

publicado às 19:54

Abril já acabou e não se fez só de gritos revolucionários.

Deu para ir ver os desenhos fantásticos do João Abel Manta.

Deu para ver o Guião para um país possível, da Sara Barros Leitão. Para rir e para pensar e para nos emocionarmos um pouco. Os actores são óptimos. Gostei mesmo muito.

Também fui ver a Luta Armada, dos Hotel Europa, sobre os movimentos armados antes e depois do 25 de Abril. Foi bom, que até foi, mas nada do outro mundo, e o melhor de tudo nesse dia foi ficar deitada na relva, de pés descalços, a ouvir música e a conversar sobre tudo e sobre nada com a minha amiga.

Voltei a cantar com a Garota Não, na inauguração do museu de Peniche. Apanhámos chuva e vai-se a ver nem conseguimos visitar o museu, mas o que ali conversámos em frente de um pão com sardinhas e de um prato de amêijoas valeu por tudo. Além da Garota, claro, que vale sempre a pena.

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Foi também um mês para "sair de pé" por duas vezes:

A propósito do espectáculo Na medida do impossível, do Tiago Rodrigues, fui moderar uma conversa na Culturgest com o João Santos, da Médicos Sem Fronteiras, e a fantástica Rita Costa, enfermeira que já esteve no Afeganistão e na Faixa de Gaza e nos falou de todo o amor que tem por este trabalho. Fico sempre nervosa quando tenho que falar em público, mas acho que até correu bem  (e se algum dia tiverem oportunidade de ver a peça, aproveitem, que é mesmo muito boa).

E, por falar em nervos, estreei-me a gravar voz, neste caso para uma reportagem sonora (aka podcast) que fiz para a Arte em Rede. Não tenho palavras para agradecer a confiança que o Bruno tem em mim (e a paciência enorme para me explicar as coisas que eu não sei). Fazer algo pela primeira vez é sempre um desafio, pior ainda quando se tem a auto-estima de uma formiga, como eu. Mas uma pessoa não gastou uma fortuna na terapia para depois ficar a tremer de medo e recusar uma oportunidade destas. O resultado já pode ser ouvido AQUI e, apesar de ainda ser muito estranho ouvir a minha voz, na verdade até me diverti a fazer isto. Agora, é "só" fazer cada vez melhor.

publicado às 19:01

Tive mais uma vez o privilégio de colaborar com o "Projeto Invisível", a revista sonora da Culturgest. Desta vez, a propósito do espectáculo Na Medida do Impossível, de Tiago Rodrigues, fui à procura de pessoas que trabalham em organizações humanitárias em cenários de emergência, como guerras, catástrofes naturais, epidemias, surtos migratórios. Tive conversas muito interessantes com a enfermeira Catarina e o responsável de logística Luís, da Médico Sem Fronteiras, e com a psicóloga Inês, do Comité Internacional da Cruz Vermelha, que me falaram das dificuldades e dos desafios do seu trabalho e das estratégias a que recorrem para cuidarem de si - e assim poderem cuidar dos outros.

Podem ouvir a aqui reportagem "A Força de Quem Cuida" ou, se quiserem, todo o episódio do "Projeto Invisível".

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Fotografia de um campo de refugiados em Lesbos, na Grécia, em 2019, de autoria de Panagiotis Balaskas - AP Photos

publicado às 17:02

Há pessoas que sonham com o estrelato. Em aparecer à frente das câmaras. Dar a cara. Já eu sou feliz nos bastidores. Neste final de ano, tive o privilégio de trabalhar com a Anabela, ajudando-a a fazer pesquisa e a preparar as entrevistas do Calendário do Advento. Uma dupla felicidade. Primeiro, por tudo o que aprendi sobre todos os entrevistados. Depois, por, a cada programa, perceber de que forma ela usava (ou não usava) a informação que lhe dava e como conduzia as conversas, escapando ao óbvio e procurando novos caminhos.

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Aqui, num dia em que fui espreitar as gravações, com o Sandro e o Jorge Feliciano, os entrevistados do último programa, que vai para o ar esta noite, véspera de natal. 
Se não viram, vão sempre a tempo de ver o Calendário do Advento, da Anabela Mota Ribeiro, na RTP Play.

As fotografias são da Estelle Valente.

Para me lembrar porque é que gosto tanto de fazer o que faço.

publicado às 10:17

Há um ano começou a CNN Portugal. Tem um sido um ano de aprendizagens e acertos, para todos. Para mim também. Há dias em que questiono se ali é meu lugar, e depois há dias assim, como este, em que me meti no carro com o Rodrigo Cabrita e, desafiando a chuva, fomos à procura de histórias para contar. Levámos com muitos nãos mas também encontrámos pessoas muito bonitas. No fim de contas, é isto que vale a pena.

Ora vejam:

Akash quer ter uma casa para trazer a família do Bangladesh. Rajendra gosta de ir à praia. Masum conta os dias que faltam para ter os "papéis". Mas tudo é difícil para os imigrantes em Odemira.

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publicado às 12:55

Coisas bonitas a que tenho o privilégio de estar ligada. Já está disponível o terceiro número da revista sonora da Culturgest, "Projeto Invisível", e, mais uma vez, fui falar com pessoas "For Real". Desta vez, o desafio foi maior, porque o tema era mais exigente - impérios e imperialismo, do colonialismo aos dias de hoje. Tive a sorte enorme de encontrar a Patrícia, o Carlos e a Paula com quem tive conversas muito bonitas e enriquecedoras. 

Se quiserem ouvir, vão AQUI.

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publicado às 18:05

Voltei às terras queimadas pelos incêndios mas, desta vez, à procura de histórias de quem vive e persiste na Serra da Estrela. Adorei conhecer a Ana e o André e prometi voltar para ver as terras quando estiverem verdejantes. Emocionei-me (acontece-me tanto) com o desembaraço e a franqueza da Alcina, que no final nos deu uns queijos embrulhados em papel vegetal e nos pediu desculpa por já ter poucos. Preocupações com o futuro todos temos, mas esta gente olha para a frente com determinação. "Ainda nos há de faltar primeiro a boca do que sopa", diz a Alcina. Pessoas bonitas. Encontrá-las, ouvi-las e contá-las. É o melhor deste trabalho.

Leiam AQUI e vejam também as fotos do Miguel Mateus.

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publicado às 12:01


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