Voltar ao topo | Alojamento: Blogs do SAPO
Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Vou fazer 50 anos. Nunca me apetece festejar e este ano não é excepção, por mim fingíamos que este dia nem se quer existia e dispensavam-se os telefonemas e as mensagens e tudo, mas, pronto, se calhar, desta vez, vai ter que ser, não é?, afinal, são 50, caramba, vamos mesmo ter que inventar alguma coisa.
Estou a fazer pilates clínico com uma instrutora muito querida que bate palminhas e diz "muito bem" sempre que eu consigo apertar as nádegas, os glúteos e os abdominais ao mesmo tempo e fazer todas as repetições. O estúdio parece uma sala de tortura cheia de máquinas esquisitas e, para já, só lá vi pessoas mais velhas do que eu. Não adoro, mas estou a esforçar-me. Porque é importante para a recuperação. Ando toda dorida o que só pode significar que estou a mexer músculos que estavam há muito adormecidos. Mas a parte melhor é quando, no fim da aula, ela me pendura pelos pés e me deixa a relaxar. Sou muito boa a relaxar. É bom que isto sirva para alguma coisa, uma vez que é caríssimo. Tenho orçamento para dois meses (três, na loucura), antes de voltar ao pilates dos pobres no ginásio.
O trabalho também tem sido uma tortura. Há dias em que me apetece desistir de tudo (depois lembro-me que tenho contas para pagar). A única coisa boa dos últimos tempos foi ler o livro da Sally Rooney e escrever sobre ele. Nunca tinha lido nada dela e gostei mais do que estava à espera.
Antes de me abalançar na última temporada da série A Amiga Genial, decidi rever as três temporadas anteriores. Voltei a gostar como da primeira vez. E gostei ainda mais de "passear" por Nápoles, agora que já conheço a cidade.
Foi há quase um ano que fui a Nápoles. Tem sido um ano bom. Muito bom, mesmo. Apesar de tudo. Um dia vou escrever sobre isto. Gostaria de um dia escrever sobre isto no presente, e não no passado como normalmente acontece. Dizer "gostaria de um dia escrever sobre isto no presente" é já dizer tanto.
Na outra noite fui ver o Samuel Úria. Foi uma noite tão feliz. Já não me lembrava como gosto dele e daquelas canções.
Hoje comi uma romã e, como sempre, lembrei-me da minha avó. Outubro é também o mês dela. É o nosso mês. Das que cá estão e das que já não estão.
(Peço desculpa se não perceberam este post. Às vezes sou um bocadinho egoísta e escrevo só para mim. Outubro ainda vai a meio. Tenho tanta coisa para fazer até aos 50, a agenda cheia, nem vou ter tempo de me angustiar. Digo eu.)
"Amigos com quem temos vontade de apanhar aviões", diz a Alda. São amigos preciosos esses. Acho que ganhei mais uma amiga dessas, com quem gosto de calcorrear caminhos e descobrir lugares. Fomos juntas a Nápoles. Foi a minha primeira vez em Itália. E foi tão bom. Em primeiro lugar por causa dela, claro. Com outra pessoa seria outra viagem. Fomos com os sentidos todos bem despertos, queríamos ver com olhos de ver, ouvir o italiano e o napolitano, andar pelas ruas a pé, sentir os cheiros todos, até mesmo o cheiro do peixe frito, provar as comidas verdadeiras. E foi tão bom (já disse, eu sei, mas nunca é demais repetir). Foram apenas quatro dias e deixámos muita coisa por ver, como é óbvio. Haveremos de voltar.
Para memória futura:
Ficámos instaladas mesmo no centro, numa ruazinha ao lado da Piazza Dante. Fantástica localização. Meia dúzia de passos e estávamos na Via Toledo, uma avenida comercial. Muito barulho. Muito trânsito. Todos os dias, a toda a hora. Montes de lambretas. Bastante poluição. Atravessar a rua era sempre um acto de bravura, uma vez que os condutores não páram nas passadeiras. É preciso avançar com determinação. Também vimos muitos condutores sem cinto de segurança e muita gente nas lambretas sem capacete - famílias inteiras, incluindo crianças, encavalitadas numa maquineta minúscula a acelerar por aquelas ruas estreitas, apitando para afastar os peões, desviando-se dos obstáculos. Andámos muito a pé, experimentámos o metro e o comboio que foram uma boa surpresa, o funicular e os autocarros. Não fomos ao bairro da Amiga Genial, da Elena Ferrante, mas "encontrámos" muitas personagens dos livros nas ruas.
O azul forte é a cor predominante em Nápoles, a cor do clube de futebol. Por todo o lado, até nos bairros menos populares, encontramos bandeiras e faixas a exaltar o "Napoli campione" e o Maradona, claro, a cara do Maradona para onde quer que nos viremos, nas paredes e nos cartazes, nas montras e nas camisolas. Não tenho muitas memórias do Maradona mas ajudou ter visto A Mão de Deus, do Sorrentino.
Diz quem já lá esteve antes que a cidade está cada vez mais turística. Há de facto muitos grupos de turistas, filas gigantes para comer nas pizzarias mais famosas, mil lojinhas de recordações. Domingo de manhã no centro histórico era quase impossível avançar por entre a multidão - fugimos dali o mais rapidamente possível. A gentrificação está a fazer o seu caminho, é visível. O segredo é procurar outros caminhos. E pedir dicas a pessoas de lá.
Como qualquer outra cidade, Nápoles é uma cidade feita de muitas cidades. Os Quartieri Spagnoli são o bairro mais tradicional, com ruínhas estreitas que sobem e descem, prédios quase em ruínas, mercados de rua, peixe em alguidares, legumes de cores garridas. É também aqui que fica o Mural do Maradona, pintado em 1990 pelo adepto Mario Filardi.
Atravessando para o outro lado da Via Toledo, temos o Centro Histórico. Continuam a ser ruas muito estreitas mas o ambiente é diferente. Todas as paredes e portas estão grafitadas, o que lhes dá um certo ar decadente. Há uma sujidade que faz parte do encanto destes bairros mais antigos. Vale a pena espreitar pelos portões dos pátios, alguns estão muito bem recuperados. A Piazza Bellini é um recanto simpático, a que se segue aquela que me pareceu ser uma zona mais hipster.
Subimos no funicular até lá a cima, ao Vomero, e é como se estivéssos noutra cidade. Quem leu A Vida Mentirosa dos Adultos, da Ferrante, vai reconhecer. É uma zona mais rica, com prédios bons, árvores, silêncio. Outro tipo de lojas, outro tipo de pessoas. E uma vista fantástica sobre toda a região. Seja do Castel Sant'Elmo ou da Villa Floridiana, um pequeno paraíso verde numa cidade que é quase só cimento. Vemos o Vesúvio lá ao fundo - haveremos de lá ir numa próxima vez, assim como às ilhas de Capri, Ischia e Procida.
À medida que descemos as escadinhas (há muitas escadinhas, intermináveis, também podem optar por subir mas é preciso ter fôlego) voltamos ao mundo das ruelas com pouca luz e muita roupa estendida. Passeámos junto ao mar, numa zona com urbanização mais recente - Posillipo e Chiaia - e visitámos o Castel Nuovo.
Além dos dois castelos, só entrámos brevemente no Duomo, a catedral, que é bastante bonita, mas não tínhamos tempo para explorar - também não fomos ao Museu Arqueológico nem aos subterrâneos. Guardámos todo o nosso empenho histórico para a visita a Pompeia. Monumental. Por mais que tenha lido sobre Pompeia, não estava preparada para aquela dimensão. Ficámos lá umas quatro horas e temos a noção de que não vimos tudo, mas tentámos ver as casas principais, os murais mais interessantes e bem conservados. Dá mesmo para imaginar a vida naquela cidade. E compensa bem as dores nos pés ao final do dia causadas pelo pavimento irregular.
Comer e beber: Tudo óptimo. Não houve um dia que tivéssemos comido mal. Panini (sandes) maravilhosas, pasta (massa), peixe de todas as maneiras e feitios, pizza frita - de que não fiquei particularmente fã, a verdadeira pizza Margherita, gelados. Aperol Spritz (bebe-se mas não é a minha cena) e Limoncello (melhor, mas não dá para beber tanto).
Dicas que nos foram úteis e por isso partilho:
O Spiedo D'oro é um restaurante com comida de todos-os-dias, muita gente a ir buscar para levar para casa. Além da comida, tem a simpatia do Vicenzo, que, assim que descobriu que éramos portuguesas, foi ainda mais simpático.
Para uma experiência mais turística mas ainda assim compensadora, há a Pescheria Azzurra. É daqueles sítios onde se tem de ir com tempo para desfrutar verdadeiramente. Bom para quem, como eu, gosta de ficar a observar as pessoas e as suas dinâmicas. E a comida é bastante boa.
Entre as várias livrarias-bar, gostámos da Libreria Berisio.
Para a pizza fomos à Dal Presidente que, além de ter um verdadeiro mural do Banksy (cuja fotografia, sabe-se lá como, desapareceu do meu telefone), tem muito menos confusão.
A Vineria Indovino (para vinho e panini) e o Zazzu - Gusto Sano Napoletano (para vinho e pratos tradicionais) ficam um ao lado do outro, numa rua pouco movimentada, com esplanada e óptimo ambiente.
O melhor de viajar é sair da nossa conforto e deixarmo-nos ir. Entrar por ruas que não conhecemos. Levantar os olhos do chão e ver uma nesga de mar lá ao fundo. Surpreendermo-nos com os cartazes colados na parede que anunciam funerais e missas de sétimo dia como quem anuncia o circo. Tentar perceber o que dizem as pessoas na ruas e dizer um "grazzie" sem parecer que estamos a tossir. Conversar com desconhecidos que também estão a ver a final do rugby e descobrir que são jornalistas (aconteceu mesmo). Vestir uma camisola do Nápoles e ir ver o jogo de futebol num café. Ficar só a ver a paisagem, sem olhar para o relógio. Ter conversas profundas ao jantar, enquanto bebemos uma garrafa de vinho, e percebermos que queremos voltar - voltar a Nápoles, voltar a Itália, voltar a viajar, voltar a apanhar um avião ou um comboio ou uma boleia ou o que seja. Assim haja orçamento para cumprir os sonhos.
Uma das coisas que eu descobri acerca dos homens através das aplicações de encontros é que são todos muito aventureiros. Não fazia ideia. Tenho andado distraída, certamente. A mim a maioria dos homens que encontro no meu dia-a-dia parece-me extremamente cinzenta e acomodada. Mas a verdade, está lá escrita no perfil, é que os homens, além do cliché clássico "uma boa conversa acompanhada de um bom vinho" (momento para revirar os olhos), também gostam de aventura. Quase todos fazem surf e outros desportos aquáticos, fotografam-se a saltar de paraquedas e a pilotar barcos, em trilhos de bicicleta, com motos potentes. E melhor ainda se isto acontecer em lugares exóticos e distantes, como desertos, montanhas, selvas, praias de água muito azul. Porque a aventura também é isso. Viagens. Toda a gente gosta de viajar e está à procura de companhia para descobrir o mundo, querem alguém disponível para fazer as malas e ir por aí. Dizer que se gosta de viajar é uma maneira de dizer que se é uma pessoa muito interessante. Vejam, eu sou muito interessante, já fui à Tailândia e a Marraquexe (este ano, é Marraquexe que está na moda, não sei se já repararam), já mergulhei entre peixinhos e já dormi no deserto. As pessoas que viajam são melhores pessoas do que as outras, porque têm "a cabeça aberta", são "espíritos livres", são "pessoas do mundo". Não queremos cá matches com pessoas tacanhas.
Claro que viajar é bom. Como não? Tirando a Fran Lebowitz, acho que todos concordamos com isso. Não é assim uma coisa muito original para se dizer. Para já porque se está de férias e só isso já é maravilhoso. Depois porque temos oportunidade de descansar e sair da rotina e, muitas das vezes, de ir a sítios bonitos ou de fazermos coisas de que gostamos, de estarmos sozinhos se nos apetecer estar sozinhos ou estarmos com pessoas com quem queremos estar, sem horários, sem constrangimentos. Eu gosto de viajar. Ou gostaria, se tivesse mais condições para fazê-lo. Eu também tento viajar, sempre que possível. Adoro ir a sítios diferentes, descobrir novas culturas, falar com as pessoas, provar as comidas, aprender coisas que não sabia. Eu também sou essa pessoa, acreditem. Mas a minha vida não é isto. Não é isto que me define. Não é isso que quero pôr no meu perfil. E fico sempre a pensar para quantas daquelas pessoas (e são muitas) que ali se declaram amantes de aventura e de viagens isso é realmente uma coisa assim tão importante na sua vida de todos os dias, naquilo que eles são.
"Vamos?", pergunta o rapaz da fotografia, piscando-me o olho. Fico na dúvida. Esquerda ou direita? Por muito que queira um companheiro de aventuras (sobretudo se me pudesse pagar viagens às Maldivas ou ao Grand Canyon, isso é que era), queria mesmo era um companheiro para ir ao teatro, para ir jantar a um restaurante indiano ou só para ficar encostado a mim no sofá.
Está visto, nunca serei uma pessoa interessante.
A propósito de viagens, um texto para nos fazer pensar da próxima vez que apanharmos o avião. De Agnes Callard, na New Yorker:
Um dia, estava a conversar com a minha amiga Paula e o que é que vais fazer nas férias, sei lá, os putos não querem fazer nada, acham tudo uma seca, pois é, podíamos fazer alguma coisa juntos, isso era giro, eu gostava de os levar aos Açores, olha, eu também, o que dizes?, é uma boa ideia, pois é, vamos tratar já disso. Confirmámos as disponibilidades com os adolescentes, perdemos horas em sites a ver preços de voos e marcámos. São Miguel, aí vamos nós.
O único receio era juntar este quatro putos - o mais novo com 14 anos, um de 17, outro de 18 e a mais velha com 20. Os miúdos conhecem-se. Brincaram juntos quando eram pequenos. Tínhamos passado uma semana de férias em 2015 e tinha sido óptimo. E voltámos a encontrar-nos na praia durante uns dias em 2018. Mas, depois disso, vieram as adolescências. E a pandemia. Cada um cresceu à sua maneira. Tornaram-se pessoas muito diferentes. Ainda assim, pareceu-nos possível. E toda a gente estava animada com a ideia.
No primeiro dia, depois de uma noite mal dormida e de uma madrugadora viagem de avião, olhei para os quatro putos a dormitar estendidos na areia preta, cada um para seu lado, quase sem trocarem uma palavra entre si, e temi o pior. Ai, tu queres ver que isto vai correr mal? Mas, logo nessa noite, os três mais velhos saíram para beber um copo em Ponta Delgada e no regresso, quando o táxi os deixou à porta de casa à duas da manhã, já eram grandes companheiros. A partir daí correu tudo bem. Mesmo com todas as diferenças de gostos e de personalidades. Foi lindo de se ver, sobretudo os dois rapazes do meio que, há que admitir, vivem em mundos completamente distintos, mas conseguiram facilmente encontrar uma plataforma de entendimento e de cumplicidades que fez com que, pelo menos durante aqueles dez dias, fossem os melhores amigos.
Com este problema resolvido, as férias só podiam ser óptimas. Alugámos uma carrinha de sete lugares e fizemo-nos à estrada, por paisagens verdejantes, espreitando em miradouros, com os putos a protestarem por causa da música que as cotas escolhiam e nós a odiarmos a música que eles escolhiam. A ilha de São Miguel é linda, já se sabe, e entre águas quentes e águas frias, águas doces e águas salgadas, acho que mergulhámos em todos os cantos em que se podia mergulhar. Bom, eu não, bem entendido, que não sou muito de mergulhos, mas o resto do grupo. Da Caldeira Velha à Ponta da Ferraria, com passagens repetidas pela Poça da Dona Beija e pelas praias - Milícias, Pópulo, Mosteiros, Santa Bárbara (e os rapazes divertidos, nas ondas, a fingirem que sabiam surfar). Os dois rapazes foram acampar uma noite com amigos da ilha e foram a um "festival de música" numa aldeia próxima. As mães vestiram roupa colorida e foram destoar para a "noite branca" de Ponta Delgada. Fizemos umas férias low-cost, sem hotel nem restaurantes. E foi do melhor. Dormimos ao molho na casa da família Paula, comemos bolos lêvedos todos os dias, provámos os gelados do Tomé, eles beberam Kima, eu deliciei-me com os chicharros fritos e ainda tivemos a sorte de fazer um almoço nas Furnas, com uma bela de uma feijoada caseira.
Foram dias muito bons. Familiares. Entre amigos que são casa. Sem merdas. Foram dias muito felizes, daquela felicidade que nos enche a alma e nos faz pensar que, mesmo com todas as dificuldades e todas as tristezas, esta vida vale a pena. Porque, com sorte, uma vez por ano, temos direito ao nosso bocadinho no paraíso.
Fomos passar o fim-de-semana a Sevilha. Fomos - eu e um grupo de amigas. Foi espectacular. Por estarmos juntas. Pelas conversas e pelas partilhas e pelas gargalhadas. Porque é muito fixe ver como esta amizade entre seis pessoas tão diferentes e tão parecidas tem evoluído. Porque é bom ter pessoas que são casa. Eu já tinha algumas pessoas assim e, nos últimos anos, ganhei mais estas pessoas-casa e sinto uma enorme alegria por isso. Foi muito fixe também porque comemos maravilhosamente e passeámos e porque (do pouco que vi) achei Sevilha uma cidade muito bonita. Agradável, animada e com poucos carros. Num momento em que em Lisboa se discute tanto esta questão, foi bom passear no centro de Sevilha com tantas ruas sem carros. Não são uma nem duas, são muitas. Ruas largas, ruas estreitas, ruas antigas, ruas novas. E não há carros a passarem nem carros estacionados em cada canto nem carros de pessoas que vão só ali e já vêm nem carros de lojistas nem carros de moradores nem carros de ninguém. Há eléctricos e bicicletas e trotinetes e pessoas a andarem a pé. Muitas pessoas na rua, muitas lojas, muita vida. Todo o centro sem carros. Acho que o Moedas devia ir lá, e os seus acólitos também. Para verem que é possível. Que até pode ser difícil ao início, que é preciso garantir que os transportes públicos funcionam e é preciso todo um trabalho de educação para o civismo mas, sabem, não é assim tão complicado não chegar de carro até à porta da Louis Vitton ou da escola ou do escritório ou do cinema ou do que for. E que é bom passear e parar numa das muitas esplanadas, aproveitando o silêncio e o ar puro.
Viajei. Mas o importante não foi a viagem em si nem os passeios que demos por Bruxelas. O importante foi, primeiro, poder partilhar esta experiência com o Pedro e passarmos tempo os dois e voltarmos a andar de avião e tentar explicar-lhe que é bom sair de casa e descobrir o mundo (e também irritar-me um bocadinho com ele, que está naquela fase aborrescente mas, pronto, faz parte). E, depois, visitar a minha amiga Aline e a sua família. Já não nos víamos há quase um ano e foi bom demais voltarmos a partilhar as nossas alegrias e as nossas angústias e comer os seus cozinhados e desfrutar da sua alegria e da sua energia. E depois da viagem ainda deu para ir ao Alentejo e para passear por Lisboa, para ir ao MAAT - Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia ver as "Interferências" e a fantástica instalação do Vhils (por favor, não percam), para ver as maravilhosas "Bacantes" da Marlene Monteiro Freitas, para dar um passeio na praia, para ir dançar no Incógnito (as saudades que eu tinha disto), para fazer isto tudo ao mesmo tempo que estava com amigos bons e conversávamos e ríamos e chorávamos juntos. Porque o mais importante são sempre as pessoas que estão connosco neste caminho e os abraços todos que damos.
Foram 10 dias bons, depois de muitos dias difíceis, ou melhor, no meio de muitos dias difíceis. Não tem sido fácil, por vários motivos, muito diversos, muito meus. Mas, como diz, a canção:
"Tem vez que as coisas pesam mais
Do que a gente acha que pode aguentar
Nessa hora fique firme
Pois tudo isso logo vai passar
Você vai rir, sem perceber
Felicidade é só questão de ser
Quando chover, deixar molhar
Pra receber o sol quando voltar"
Não sejamos injustos. Houve coisas boas em 2021.
Novos trabalhos, novos desafios.
Voltei a fazer yoga. Sou péssima mas estou a esforçar-me.
A viagem a Paris.
Os bons momentos com os meus putos.
Caminhar, voltar aos transportes públicos, andar a pé sempre que possível.
Voltei à terapia. Também sou péssima nisto mas estou a esforçar-me.
Os meus amigos (vocês sabem quem são). Não estive com eles tanto quanto gostaria mas aproveitei todas as oportunidades para encontrá-los, abraçá-los e mostrar-lhes o quanto são importantes para mim.
Fiz uma amiga nova ("e coisa mais preciosa no mundo não há").
Os espectáculos que vi, os filmes e as séries, os livros (poucos mas bons), as músicas que descobri e todas as outras coisas boas da vida.
A família reunida e feliz no dia do meu aniversário.
Os sonhos do natal.
Para 2022 só queria isto tudo mas mais.
A viagem a Paris foi marcada durante o almoço de aniversário da Paula, enquanto bebíamos uma garrafa de um fantástico vinho branco, por isso é provável que não tenha sido uma decisão muito racional. Mas, vamos lá ver, estávamos há mais de oito meses em confinamento, eu tinha sido despedida há pouco tempo e a perspectiva era ficar durante os meses seguintes sem emprego ou, pelo menos, sem emprego fixo, ou seja, continuar fechada em casa com os meus filhos e os meus pensamentos e, muito provavelmente, a entrar em depressão. Vem comigo, disse-me ela, naquele seu jeito decidido. Está bem, respondi num impulso. Ela pegou no telefone e dois minutos depois já estava tudo marcado. Pronto.
Nunca tinha tirado férias sem filhos. O máximo que tinha feito tinha sido passar um fim de semana fora, uma noite. Geralmente, quando estou sem filhos estou a trabalhar (o que também é bom mas não é a mesma coisa). Nunca tinha gastado dias de férias para estar sem eles. Desta vez ia estar cinco noites fora. Depois de ter marcado a viagem fui várias vezes assaltada por aquele sentimento de culpa que as mães conhecem tão bem. Logo este ano em que, afinal, vou ter menos dias de férias, é que me deu para isto. E o dinheiro que vou gastar. Se calhar devia desmarcar tudo e ir com os putos para algum lado. Enfim. O grilo falante a atormentar-me o juízo todas as noites. Mas, vendo bem, não havia motivos para tal. E, convenhamos, os miúdos estão crescidos e isto vai ter de acontecer cada vez mais, por isso é bom que me comece a habituar.
A verdade é que estava mesmo a precisar disto. Estava a precisar de sair de casa, de não cozinhar, de não pensar, de descansar a cabeça, de me deixar ir. Depois deste ano e meio de confinamento, estava também a precisar de estar sem eles.
Podia ser Paris ou outro lado qualquer, acho que teria sido bom de qualquer maneira. Mas ainda bem que foi assim porque foi muito, muito fixe.
Foi a quarta vez que estive em Paris (a última tinha sido com os miúdos) mas deu para ver várias coisas pela primeira vez - o Palácio de Versalhes com o seus jardins, o enorme Museu do Louvre (e a Mona Lisa), a maravilhosa livraria Shakespeare and Company, um lugar onde apetece ficar um dia inteiro, o Museu Rodin (com o bónus de ter uma exposição que junta Picasso e Rodin). É muito engraçado estar nestes sítios todos, que já conhecemos dos filmes, e ver como são na realidade. Deu para passear sem pressas, para andarmos muito a pé, para ficarmos só paradas a ver, para rirmos que nem perdidas, para conversarmos e conversarmos, para, por uns dias, esquecermos a nossa vidinha e simplesmente passar o cartão sem fazer contas ao preço do almoço. Paris é uma cidade muito bonita e vibrante, onde sabe bem passear, ver os prédios, as janelas, as varandas, os jardins, os cafés, os artistas de rua.
Uma das coisas que mais nos espantou foi ver que, à exceção dos transportes públicos e do museus, onde todos usam máscara, quase nem dávamos pela pandemia. Na rua, não se viam máscaras nem havia distanciamento. Havia multidões, filas, ajuntamentos. Restaurantes cheios. Gente a dançar nas praças. (E eu, que nem sou nada de ter medos de doenças, andava sempre de máscara, a desinfectar as mãos como uma maluquinha e a recusar-me a entrar nos bares lotados. Tenho muitas saudades de dançar, que tenho, mas ainda não estou preparada para isto...)
Foi tão bom que quando demos por nós já estávamos a fazer planos para a próxima viagem.
Praia Fluvial da Aldeia Ruiva
Praia Fluvial do Malhadal
Um dos desafios das férias dos pobres é tentar visitar lugares novos ou ter alguma experiência diferente gastando pouco dinheiro. Eu tento sempre fazer alguma coisa, aquilo a que chamo o nosso pequeno luxo anual, mesmo que seja algo muito simples. Desta vez, fomos espreitar as praias fluviais na zona de Proença-a-Nova. Reservei dois dias bem no fim das férias, marquei um bungalow no parque de campismo e lá fomos.
Nas malas levámos pouquíssima roupa mas muita comida. Eu sou aquela mãe que anda sempre com comida, sempre fui assim, desde que eles eram pequenos. Não se trata só de poupar dinheiro ou de evitar que eles comam muitas porcarias, é sobretudo uma maneira de não me preocupar quando andamos em viagem. Até porque os putos estão nesta fase em que parece que estão sempre esfomeados. Acredito que outras pessoas achem que dá muito trabalho preparar comidas e levar lancheiras mas para mim é tranquilo. Neste caso, além das sandes e petiscos para a viagem, como íamos ficar num parque de campismo no meio do nada e como não me apetecia andar perdida à noite por estradas cheias de curvas, optámos por cozinhar o jantar no bungalow. Aproveitei que tinha um fogão e para o segundo dia fiz umas deliciosas sandes de ovo mexido. Portanto, sim, levámos muita comida mas resultou muito bem.
Para mim, que sou do sul e da planície, é sempre um pouco esquisito quando me meto por serras e caminhos tortuosos. Para os putos este também é um Portugal a que não estão muito habituados. Por isso estas viagens, por estradas nacionais, são sempre uma aventura. Vamos vendo as tabuletas e comentando a paisagem. Os cheiros, as pessoas, as cores, os sotaques, tudo é diferente. E ficámos muito impressionados com toda a área ardida perto de Vila do Rei (dá um bocadinho de medo mas pronto, se uma pessoa se põe a pensar nessas coisas nunca sai de casa).
Os miúdos lembravam-se do bungalow em que tínhamos ficado perto das Grutas de Mira D'Aire. Em comparação, este bungalow da Aldeia Ruiva ficou claramente a perder porque era mais antigo, não tinha aquele cheiro a novo, e não tinha ar condicionado. Porém, a tragédia maior foi o facto de não haver wifi, o que foi um grande desafio à capacidade deles para ficarem sem fazer nada durante um serão inteiro. Nem sequer podíamos ler ou jogar as à cartas porque, por causa do calor e dos mosquitos, tínhamos as janelas abertas e as luzes apagadas. Conseguem imaginar? O António acabou de ver os episódios de uma série que tinha no telefone e depois andámos a explorar o parque e ficámos às escuras no alpendre a conversar e a cuscar o que se passava nas outras tendas. Os rapazes resignaram-se e acabámos a dar umas boas gargalhadas. Se eu tivesse planeado uma "operação desligar" não teria sido tão eficaz.
A parte melhor para eles foram, obviamente, os mergulhos nos rios. A zona de banhos é delimitada e as praias são vigiadas, portanto aquilo é bastante seguro. Depois há aquela aventura de ser um rio, de haver peixes, de não se ver o fundo. Acho que é preciso alguma coragem, coisa que eu obviamente não tenho. Já os putos divertiram-se à grande.
Na viagem de regresso a casa tivemos um furo no pneu e viemos a ouvir o agonizante relato do jogo do sporting. Tirando isso, correu tudo lindamente.
Claro que me entristeceu o incêndio da catedral de Notre-Dame, em Paris, mas não me parece que tenha sido uma catástrofe nem que tenha ali ardido "parte da humanidade" como vi escrito nos jornais. Uma casa é uma casa, não é uma pessoa. A história é importante mas é história, não é como se conseguíssemos ou sequer nos esforçássemos para guardar toda a nossa história. A Europa é a Europa, não é o mundo. Um símbolo é um símbolo, não é a vida. Este é o meu ponto de vista, respeito os que pensam de outra forma mas não me convencem que uma catedral queimada vale a minha consternação para além de um "oh, que pena".
Na nossa viagem de família a Paris estivemos à porta de Notre-Dame. Era o nosso último dia e a fila era enorme. A Cecília contou aos miúdos a história do Corcunda mas não entrámos. Já não teremos oportunidade de ver "aquela" catedral tal como era. C'est la vie, diriam os franceses. A vida é feita daquilo que fazemos e também daquilo que não fazemos.