Voltar ao topo | Alojamento: Blogs do SAPO
Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
A primeira meia hora foi um sufoco. Senti as dores de Martha tal e qual como se fossem as minhas. Tantas memórias que ressurgiram. Tive vontade de passar à frente mas ainda bem que não o fiz. A primeira meira hora é o que dá sentido ao filme. Na primeira meia hora estamos em trabalho de parto com aquele casal, Martha (interpretação de Vanessa Kirby) e Sean (Shia LaBeouf). Partilhamos com eles o entusiasmo e as dores. O parto é em casa e tudo parece correr bem até que tudo corre mal (lamento mas não dá para evitar os spoilers, se não quiserem saber mais pormenores é melhor não continuarem a ler).
Como continuar depois de um trauma destes? Isso é o que vemos no resto do filme.
Pieces of a Woman, do casal húngaro Kornél Mundruczó (realizador) e Kata Wéber (argumentista), tem muitas coisas boas, a começar pela extraordinária interpretação de Vanessa Kirby (como sou um pouco despistada demorei imenso tempo a perceber de onde conhecia aquela cara: era a princesa Margaret das primeiras temporadas de The Crown). Tem o inverno rigoroso e o rio que vai ficando cada vez mais gelado. Tem o verniz estragado, a loiça suja na pia, o cabelo desgrenhado. Tem aquele sofrimento maior do que o mundo. Tem as explosões de choro e fúria e desorientação dele. Tem uma cena de intimidade do casal que é tão realista que é impossível não nos sentirmos violadas. Tem a contenção e a força dela, que se recusa a ser uma vítima e a ficar paralisada pelo sofrimento. Martha quer seguir em frente, contrariando a vontade da família e até a vontade do seu corpo que não sabe que a bebé morreu, o corpo ainda é o corpo de uma mãe mesmo que ela não o seja.
O que me irrita um bocadinho em Pieces of a Woman é o exagero, parece que os argumentistas não souberam onde parar. Não bastava a morte da bebé, ainda é preciso o pai ser ex-alcoólico. Não bastava que o casal se afastasse e cada um deles procurasse um escape à solidão, o marido tinha que se envolver com a advogada que também é prima da mulher. Não bastava isto, tinha que haver uma mãe/avó que é extremamente crítica com a filha e que odeia o genro. E ainda por cima essa mãe/avó é uma sobrevivente do Holocausto. Ah e não bastava isto tudo ainda por cima a senhora começa a dar sinais de ter Alzheimer. A mim parece-me que todos estes pormenores eram dispensáveis. E até seria mais verosímil ver o casamento a acabar sem a intervenção da sogra, digo eu.
Ainda assim, vejam que não se vão arrepender. E venha de lá esse Óscar de Melhor Atriz.