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Há muito tempo que um livro não me arrebatava desta forma. Comecei a 1 de dezembro e terminei na noite de 23. Li sofregamente as 683 páginas de Uma Pequena Vida, de Hanya Yanagihara, no pouco tempo livre que tenho, sobretudo à noite, até a cabeça começar a tombar de sono. Ri, chorei, zanguei-me, revoltei-me, fiquei feliz e fiquei triste, e à medida que o fim se aproximava chorei ainda mais com a história destes quatro amigos - Willem, Jude, JB e Malcom. Encontramo-los na faculdade e seguimos com eles para Manhattan, onde cada um persegue a sua carreira, ao mesmo tempo que voltamos atrás no tempo para conhecer melhor as suas histórias. Estes avanços e recuos são narrados de uma maneira extraordinária, com ínfimos detalhes, permitindo-nos construir uma imagem muito completa de cada um deles, cada viagem no tempo a dar-nos mais um pormenor, e ao mesmo tempo vamos conhecendo os seus colegas e amigos (são quase todos homens, há algumas mulheres por ali, mas as personagens que interessam são principalmente masculinas), as suas paixões, os seus medos, as suas aspirações. Dei por mim a pensar naquelas personagens durante o dia, quase como se fossem meus conhecidos, a perguntar-me o que estariam a fazer ou o que iriam fazer a seguir, imaginei-lhe os rostos, visualizei-lhes as casas, atravessei com eles as ruas de Nova Iorque, acompanhei o seu crescimento e o seu envelhecimento, torci pelos seus desafios profissionais, tive vontade de lhes dar conselhos, vai em frente, rapaz, diz o que sentes. Tenho ideia que desde a tetralogia da Elena Ferrante que não me envolvia tanto com personagens de ficção (e há algumas semelhanças entre estas obras, se pensarmos bem).
Hanya Yanagihara aborda aqui temas muito complexos, como o abuso sexual infantil, o abandono, a amizade masculina, a depressão, o sofrimento, a vergonha, os pensamentos suicidas, a dor física e a dor da alma, o envelhecimento, o medo da solidão, o amor entre pais e filhos (e a falta dele), o amor nas suas múltiplas formas (e a falta dele), o modo como o nosso passado determina o que somos e, por outro lado, e quase paradoxalmente, como somos todos mais ou menos iguais apesar das diferentes origens, raças, famílias, orientações sexuais, experiências.
A felicidade neste livro é sempre frágil, passageira, pequenos momentos - os beijos, os jantares, as comidas, os passeios, as cumplicidades, os olhares, a amizade, acima de tudo a amizade - que queremos guardar com todas as nossas forças porque sabemos que vão desaparecer em breve (e não será sempre assim?).
Uma Pequena Vida foi publicado originalmente em 2015 mas só este ano foi traduzido e publicado em Portugal pela Editorial Presença. Tenho a certeza que um dia haveremos de ver esta história no cinema ou na televisão. Para já há uma versão holandesa para teatro e em março estreia uma versão inglesa num teatro em Londres - já há muito poucos bilhetes, se querem saber (sim, eu andei a ver e tive que me controlar para não cometer uma loucura). Mas, tudo bem, também podemos ficar só com o livro que já é tanto.